A partir de então, somos transportados à época em que ambos se conheceram, e tudo fica mais interessante e atraente graças ao escritor, o marroquino Tahar Ben Jelloun, ter estruturado sua narrativa em duas partes principais, com cada personagem, Ali e Mamed, narrando a história de sua amizade sob seu ponto de vista, dos tempos de escola até o ponto em que a carta se justifica, passando pelos planos para o futuro, em grande parte frustrados após a prisão durante um período de repressão, e o casamento.
Assim, é possível notar como cada qual absorveu os episódios que compartilharam de uma forma, contando sua história quase como se estivessem em um julgamento de caráter, ou como se cada um estivesse buscando um modo de lidar com suas atitudes: Ali perguntando onde errou, e Mamed tentando, sempre, justificar sua conduta.
Em certo momento, na terceira parte, onde um amigo em comum de ambos – mas que não possuía, nem de perto, o tipo de relação que nutriam um pelo outro (e, claro, considerando-a como sincera) – esclarece o que se passou em uma lacuna de 3 anos entre as narrativas de cada um, diz que, após ter ouvido a história, acredita não ser ela uma simples questão de ponto de vista. Discordo. Em se tratando de uma amizade, há sempre questões de ponto de vista, ainda mais quando os amigos são pessoas tão diferentes em suas crenças e em seu modo de ser.
É curioso, sou invejoso sem causa; assim, invejoso por nada.
a ponto de você não entender como Ali o suportara por tanto tempo.
Quase no fim do relato de Mamed, ficamos sabendo o motivo pelo qual tratara Ali como tratara – sem querer ser chato, mas já devem ter percebido pelo fato de a carta ser destrutiva para Ali, de que há um rompimento – mas ele não é forte o suficiente para tanto, ao contrário, se esperaria de um verdadeiro amigo ações num sentido totalmente inverso às tomadas, o que só desqualifica Mamed como um bom companheiro.
Descobria em mim uma capacidade de perversidade, uma imaginação diabólica, assim como um prazer indecente de brincar com os sentimentos das pessoas que eu amava.
Mas, pensando bem, talvez o fato de serem tão diferentes é o que os tenha mantido amigos por tanto tempo. Não se pode escolher as amizades, ao menos não as verdadeiras, então é perfeitamente aceitável – e ficamos sabendo disso ao ler a carta, que fecha o livro – todo o sofrimento pelo qual Ali passa, e, não de repente, ele deixa de ser o idiota, o fraco, e o servil, para ser o melhor dos dois.
Outro exemplar de O Último Amigo está solto por aí, desde que o liberei no 3º Bookcrossing Blogueiro. Até agora não obtive resposta de que foi ou não encontrado. Espero que esteja tudo bem :|
O Último Amigo (Le dernier ami, 2004 – Tradução de Maria Ângela Villela) Tahar Ben Jelloun – 127 páginas, ISBN 8528611809, Editora Bertrand Brasil.
Luciano,
ResponderExcluirEssa história de amizade me lembrou O Caçador de Pipas, acho que o fato de um dos amigos ser bom e o outro nem tanto... Você já leu? O livro é ótimo também!
=)
Joelma, tenho o "O Caçador de Pipas" aqui, mas ainda está na fila do que ler. Acredito que vá demorar um pouco, mas obrigado pela indicação ;)
ExcluirQuando comecei a ler a resenha não pude deixar de lembrar de O Caçador de Pipas. A resenha ficou muito boa e fiquei curiosa para ler, gosto de autores que abordam assuntos de uma maneira bem humana, e de um povo em geral.
ResponderExcluirAh, é a segunda pessoa a me dizer isso, rs. Agora tenho que ler o quanto antes ao "O Caçador de Pipas" ;)
ExcluirTua resenha me instigou, talvez eu venha a lê-lo. E confesso que às vezes faço o papel do amigo "malvado", rs.
ResponderExcluirAliás, conheci um blog novo de literatura recentemente, com uns textos e artes interessantes:
http://literatortura.wordpress.com
Jorge, gostei bastante do livro, quero muito ler algo mais de Jelloun. Já vi este site - o conheci através do mimimi da capa da Época com o Teló. A primeira impressão não foi boa, achei tudo desnecessário, mas, enfim, passarei lá para ver um pouco mais do conteúdo.
ExcluirTambém há uns textos lá que não me agradaram pelo mesmo motivo, ou por entrar em conflito com algumas das minhas visões sobre cultura e literatura. No entanto, por outro lado há textos ótimos, bem escritos, formulando críticas sensatas, como o caso mesmo da reportagem da Época, criticada com embasamento e sem demonstrar preconceitos contra a música sertaneja.
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