31 de março de 2014

O Começo de Tudo, de Robyn Schneider [Resenha #165]

O Começo de Tudo1 - Texto


Sinopse:  O garoto de ouro Ezra Faulkner acredita que todo mundo tem uma tragédia esperando ali na esquina – um encontro fatal depois do qual tudo o que realmente importa vai acontecer. Sua tragédia particular esperou até que ele estivesse preparado para perder tudo de uma vez: em uma noite espetacular, um motorista imprudente acabou com a perna de Ezra, com sua carreira no esporte e com sua vida social.

Depois que perdeu o favoritismo ao posto de rei do baile, Ezra agora almoça na mesa dos losers, onde conhece Cassidy Thorpe. Cassidy é diferente de qualquer pessoa que Ezra tenha encontrado antes – melancólica e com uma inteligência mordaz.

Juntos, Ezra e Cassidy descobrem flash mobs, tesouros enterrados e um poodle que talvez seja a reencarnação do Grande Gatsby. À medida que Ezra mergulha nos novos estudos, nas novas amizades e no novo amor, aprende que algumas pessoas, assim como os livros, são difíceis de interpretar. Agora, ele precisa considerar: se uma tragédia já o atingiu, o que poderá acontecer se houver mais infortúnios?

O Começo de Tudo é um livro poético, inteligente e de cortar o coração sobre a dificuldade de ser o que as pessoas esperam, e sobre começos que podem nascer de finais trágicos.


Livros com temática colegial. De certa maneira a gente já imagina como as coisas vão se desenrolar, e, salvo pequenas alterações e surtos de criatividade, o enredo girará em torno da queda de popularidade do garoto ou da garota mais popular da escola, que cai de amores por alguém “fora da esfera a qual pertence”, e este amor seguirá o rumo de uma montanha russa: algo dá errado, se conhecem e as coisas começam a dar certo, algo de muito ruim e que o autor manterá em segredo acontece, e o leitor fica em suspenso ansiando que se acertem até o final do livro. Pensando assim, já nesse sentido figurado, a capa do livro faz todo o sentido, mas ela ainda tem uma razão ainda maior de ser, literalmente,

É mais ou menos isso. Mas pra quê então a gente lê? É bom pra desestressar.

No livro, Ezra é O garoto popular da escola, assim com “O” maiúsculo mesmo, namora uma líder de torcida, é um prodígio no tênis, tem um futuro promissor, até que sofre um acidente que o impedirá de praticar esportes para sempre.

Ficamos sabendo de tudo isso pelo próprio Ezra, narrador do livro, e soa um tanto pretensioso quando ele diz o que era e o que perdeu, mas dei a ele o benefício da dúvida e segui lendo. Após o acidente, algumas coisas começam a ficar claro para ele: seus amigos não são assim tão amigos, e sua namorada lhe fez o favor de enfeitar sua testa, então ele está sozinho, e tem pavor de que os estudantes tenha pena dele, o “pobre garoto inválido”.

E temos a primeira reviravolta do livro. Quando criança, Ezra era amigo de Toby, do tipo inseparáveis, até que, durante a comemoração de um aniversário de Toby na Disney algo de traumático acontece, o que fez com que os amigos se separassem, com Ezra ressurgindo como o aluno popular, e Toby como o nerd. Assim, seguem caminhos separados, até o acidente, quando Toby é a primeira pessoa a acolher Ezra, sem tratá-lo como alguém digno de pena, e como se não houvesse um oceano de distância desde a última vez que conversaram como amigos. É assim que Ezra vai parar na mesa dos nerds.

E é bom que tenhamos dado a ele o benefício da dúvida, porque Ezra não é o cara que aparenta ser na mesa de seus amigos descolados, no topo da cadeia alimentar da escola. Ele finge. É nerd. Inteligente. E essa inteligência me incomoda. Os personagens do John Green tem esse nível absurdo de inteligência - ao menos tinham no único livro dele que li. E me pergunto: adolescentes de verdade comem erres e esses e erram tempos verbais ou usam citações de Shakespeare e palavras em alemão? Me parece um pouco forçado, como se isso fosse necessário para separá-los da turba dos alunos populares, que sempre são estereotipados como os mais burros. É algo do tipo: exala hormônio? É popular. Fala alemão? É nerd.

O livro segue a narrativa romântica entre Ezra e Cassidy, uma garota descolada – porém legal – que viera de uma outra escola e é tipo uma lenda viva das competições de Debate. Ah, esqueci de contar: como não pode mais praticar esportes, Ezra entra  meio sem querer no time de debate.

Cassidy é a personagem que trás o elemento “mistério” à trama. Quem ela é de verdade, por que viaja tanto naquilo que fala? O que acontecera no último ano, quando ela decidira mudar de escola e não participar mais de competições? Mas a gente meio que ignora isso, porque ela está com Ezra, e aqui já se percebe – mesmo com ele lamentando por tudo o que perdeu (vou enumerar: uma namorada que pulara a cerca; amigos que na verdade não dão a mínima para ele; e uma porção de máscaras para camuflar o que realmente pensa) – que ele é um cara legal. Torci por ele.

A narrativa é fluida, sem empecilhos, dado o público alvo do título.  A Robyn Schneider é uma Susan Colasanti com comentários espirituosos. Ela tem mais jogo de cintura, e sarcasmo, ironia e zoação combinam bem com um livro sobre adolescentes. Mas, ela tem que tomar cuidado, pois me irritou, e por muito menos já parei de ler um autor.

Lá pela página 135 ela deixa escapar que não é a mulher sagaz e descolada, que dialoga com diversas tribos, que é defensora do poder nerd – sim, temos o poder – para demonstrar que ali dentro existe o pensamento do tamanho de um grão de mostarda típico do americano idiota. Ela dá uma derrapada e mostra o quão preconceituosa pode ser, ao tecer a seguinte passagem:

Quando percebi, estava no meio de uma festa. Apareceu um bando de gente de uma escola chamada Wentworth, trazendo uma garrafa de prosecco, que Cassidy cochichou que era champanhe de pobre. Eles vinham de uma escola pequena de Los Angeles e davam a impressão de ser mais velhos e acabados, ainda que alguns estivessem apenas no primeiro ano.

Pra mim esse parágrafo só vem a reforçar a onipresença dos estereótipos nos livros sobre temática escolar. E é chato isso de todo mundo já vir rotulado, sem o direito nem de abrir a boca para dizer a primeira palavra – nem que seja para confirmar que o rótulo foi colocado no produto certo. E me pareceu gratuito. Não acrescentou nada à narrativa, ao contrário, o livro passaria muito melhor sem ela.

Eu sei que sou chato, me dou esse direito. Me incomodou. Ponto. Segue a vida.

Fora isso, é um livro para entreter. Não te exige muito, e você fica satisfeito no final com a coragem que a autora tem de não seguir os trilhos – e aqui ela difere mais uma vez da Colasanti.

 

O Começo de Tudo, de Robyn Schneider (The Beginning of Everything, 2013 Tradução de Shirley Gomes, 2014) – 288 páginas, ISBN 9788581633930, Editora Novo Conceito. [Comprar no Submarino]

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9 comentários:

  1. Eu compreendo o que você quer dizer sobre os esteriótipos, e até concordo, mas de uns tempos para cá me pergunto: os esteriótipos não são esteriótipos por uma razão? Meu colégio não era dos melhores (tanto que fechou hahahahaha), mas a gente tinha muitos clichês - as esportistas descoladas e as esquisitas que escutavam rock e liam Sherlock Holmes (no caso, você deve imaginar onde eu me encaixei).

    Mas chegou a um ponto onde todo mundo simplesmente percebeu que nem tudo é preto no branco e a gente terminou com um pouco de tudo, todo mundo bem e amigo. Mas isso só é possível no Brasil, nos EUA, a coisa é feia mesmo. Achei que fosse clichê da ficção mas não é, meu primo tinha, inclusive, que evitar certas cores de roupa para evitar o bullying, e um amigo dele já foi vítima da "clássica" ser jogado no lixo. A juventude americana é um problema antropológico e eu até poderia discorrer mais sobre isso, mas acho que não vem tanto ao caso.

    Por isso, contanto que a história tenha um bom argumento, eu gosto. Esse livro em especial não me encantou totalmente, mas eu acabei de ver o filme The Spectacular Now, que tem essa pegada, e eu gostei muito, inclusive indico.

    Quanto aos adolescentes sagazes e inteligentes, eu só poderia comentar sobre mim e meus amigos, e bom, eu gostava de ler Atlas Geográfico hahahaha então eu até acho possível que existam mesmo os mais amadurecidos e "de conteúdo" e os mais burrinhos. Se um é nerd e o outro é atleta, pra mim, já é outra história.

    Adorei a resenha! Abraços!

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    1. Então, eu acho que eles tem lá sua utilidade - e por serem estereótipos, tendem a ser preconceituosos, ois tentam generalizar, e isso é sempre um problema. O que me irrita é quando são usados à exaustão e de forma a perpetuar as características de um grupo focando em seus atributos digamos, menos elogiosos - e aqui eu fui um pouco preconceituoso.

      Tenho um amigo que é o sujeito mais inteligente e nerd que conheço e que já está maior que o The Rock de tanta musculação. No mundo dos livros com temática escolar ele não existe, é tipo um conjunto vazio, um erro 404.

      Mas, sim, talvez isso tudo me incomode por eu me enxergar na maioria desses clichés e não ficar muito feliz com isso. Pode acontecer.

      E é verdade, os americanos podem ser bem cruéis....

      Obrigado pelo comentário ;)

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  2. Também não gosto de rotular ninguém. Até porque já sou bem rotulada.
    Mas já que você diz que é um livro fácil, sem acrescentar nada, mas também não retira nada, eu vou ler, rs.
    Sim, basta me deixar com uma pulga atrás da orelha pra eu querer muito ler um livro!!
    Resenha como sempre perfeita!!

    Bjkas

    Lelê Tapias
    http://topensandoemler.blogspot.com.br/

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    1. Ah, é chato isso né?, mas já é tão inerente ao convívio social que o melhor a se fazer é ignorar... O livro é tranquilo, leitura rápida, vale a pena.

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  3. "Mas pra quê então agente lê? É bom pra desestressar." = Resposta padrão para quem me pergunta porque leio romances água com a açúcar. Luciano, me desculpe o trocadilho, mas néh que vc também tem um Q de Lisbela [embora não com romances].

    Honestamente eu tenho problemas existenciais com coisas que tratam pessoa como se ela fosse algo menos que humana e estereótipos fazem isso e se a Robyn lança mão disso em sua narrativa já me causa coisas. E esse paragrafo é incomodo mesmo... Me pego pensando: "É assim que os alunos de escolas particulares olhavam para mim durante o ensino médio quando nós nos encontrávamos?"

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    1. Hahahaha! Ah, mas literatura taí pra isso, ninguém sobrevive só de material de ponta, tem que aproveitar um fast food de vez em quando. Olha, a Robyn tenta ficar acima disso, mas ela dá uma boa derrapada na frase que falei. E, sim, também me pergunto se as pessoas tinham uma reação semelhante a minha turma quando íamos a algum tipo de feira, jogos escolares e etc..

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  4. Esse é outro lançamento da NC que estou de olho, mas não espero nada de surpreendente. Só pra ler mesmo. Concordo com sua opinião, acho que esses livros nesse estilo colegial já vem com personagens, protagonistas ou secundários, rotulados, mas sabe, os esteriótipos já são algo que fazem parte de nosso censo crítico, porque vai da primeira impressão. Posso estar falando besteira, mas sabe, como a Lu falou no comentário acima, lá nos EUA, existe meio que essa "separação", nerds e populares, e até aqui no Brasil. Na minha escola há aquele grupinho mais intelectual, enquanto há outro mais bagunceiro e tal, mesmo que isso não defina nada. É algo humano mesmo, caracterizar uma pessoa pela aparência.

    Ótima resenha!

    Abraços!

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