O Sonho de Eva [Resenha #058]

 

Sinopse: Dra. Eva Abelar, autoridade mundial em sonhos lúcidos, é informada de que seu filho, Joachim, uma criança autista, desaparece na mesma noite em que sua irmã, Anna, pula do 20º andar de um edifício em São Paulo. Anna era a principal cientista do projeto DreamGame, invento revolucionário que permite à pessoa jogar enquanto dorme. Eva é convidada por Yume a assumir o lugar da irmã e, à procura de respostas, se envolve em uma trama perigosa, que alcança os limites dos desejos inconscientes do homem. Enquanto usa seus conhecimentos para desvendar a morte de Anna e reencontrar Joachim, Eva descobre o quanto a sociedade está vulnerável à tecnologia e aos estímulos subliminares, e como esses estímulos podem sequestrar a liberdade e extinguir o livre-arbítrio.

O Sonho de Eva entrou pra minha lista dos desejados desde que soube de sua publicação. Um autor nacional escrevendo uma ficção moderna, sem necessitar de seres mágicos para contá-la. Me fisgou. Misturando psicologia, entretenimento virtual e lendas de diversas culturas para criar uma trama de suspense, o autor Chico Anes foi bastante ousado na construção do enredo, mas, apesar de achar isto louvável, não foi em todos os momentos que esse mix funcionou bem, parecendo, algumas vezes, irreais demais – ou, ainda, se sustentarem sobre pilares um tanto quanto frágeis.

Como pode-se ver na sinopse, logo no começo do livro, Eva, a protagonista, tem de enfrentar a morte da irmã e o desaparecimento do filho, que é autista; e a forma como ela o faz me confundiu no início: estranhei sua aceitação perante os acontecimentos, esperava que ela, principalmente como mãe, passasse um tempo de luto, afinal perdera dois de seus últimos familiares. Mas, no livro, ela toma as rédeas de sua vida e volta ao trabalho, aceitando, após ser demitida, mesmo trabalhar para a Yume, empresa que, ela intui, tem algo a ver com tudo o que vem acontecendo.

Porém é preciso analisar a situação: Eva é uma profissional brilhante, que entende bem do íntimo das pessoas, então deve saber melhor que ninguém como agir em situações assim, sem se deixar abater. E, mesmo esquecendo este fato, se ela fosse uma mulher com uma outra profissão qualquer que tivesse um ente querido desaparecido, ela poderia agir de duas formas bastante distintas: se trancando no quarto e chorando noites e dias sem fim, ou partir para a luta e se agarrar no mais ínfimo fio de esperança que possuir, fazendo tudo o que estiver ao seu alcance para trazer este parente de volta. Eva toma o segundo caminho, o livro precisa continuar, mas  fica parecendo que foi tudo rápidos demais.

Os primeiros capítulos podem desencantar alguns. Demorei um pouco para imprimir um bom ritmo à leitura, as coisas custaram a ficar interessantes, teorias eram soltas nas páginas e passava por elas sem saber muito bem qual a sua utilidade ali. Mas a partir do momento em que Eva vai trabalhar para a Yume tudo melhora, tomando ares de romance policial, fazendo com que mesmo dividida a estória continue com todos os pontos ligados, e funcionando bem: alternar entre um personagem e outro é um dos trunfos do autor neste livro. Enquanto Eva mergulha dentro da Yume para tentar encontrar seu filho, Alec (amigo e ex-namorado de Eva) parte em busca de respostas sobre o que está acontecendo e o que estão enfrentando, e somos brindados com sociedades secretas, pergaminhos antigos e um conhecimento que pode mudar o mundo. E João Cogumelo!

A narrativa sobre João Cogumelo é um dos pontos altos. Por si só, daria um livro! O modo como foi narrada, a leveza, e os acontecimentos que continham arrancaram um suspiro do chato aqui. Nela, João, um garoto alegre, como qualquer outro, sofre um acidente e entra em coma. Anos depois, acorda, e, ao invés de ficar feliz, chora. A pergunta é: o que se passara com João em todos esses anos de coma? Seu corpo estivera ali, sendo cuidado pela mãe, mas e quanto ao seu subconsciente? A resposta me surpreendeu, e me fez pensar no quanto somos egoístas. A mãe de João, por exemplo: tudo o que ela queria, estou certo, era que o filho acordasse e compartilhasse da vida que ela levava, pois antes do acidente eram felizes assim. Mas e João? Será que ele também gostaria de voltar?

Depois de João eu já era do livro e ele era meu. Sabia que tinha um bom livro em mãos, mas, no entanto, algumas coisas me incomodaram. Muitas vezes a quantidade de informação é grande demais e pede um momento para reflexão, para que você possa digerir o que foi dito. Também senti falta de uma descrição – e um tour – mais detalhado pelos laboratórios da Yume. Seria interessante, pois o autor conseguiu imprimir muito bem a sensação de claustrofobia que se sente ao morar em um gigantesco laboratório subterrâneo.

E aconteceu um fato semelhante ao que me ocorreu durante a leitura de “O Espião”: não consegui me convencer do tamanho da Yume - assim como não consegui levar a sério a questão dos sonhos lúcidos, apesar de o livro se apoiar firmemente nela. Sabemos que ela, a Yume, é grande e influente porque o autor nos fala. O truque aqui é fazer o leitor intuir, descobrir por si mesmo. Quando a professora te diz, no primário, que 2+2 são quatro, você esboça um sorriso, mas você só vai às estrelas quando intui, sozinho, que 3+2 são cinco. São sentimentos diferentes. Por outro lado, ele conseguiu mesclar à narrativa em terceira pessoa alguns trechos na primeira, quando um personagem estava sonhando. Ao contrário do “A Casa das Orquídeas”, a transição é eficiente e se percebe no ato do que se trata.

No fim, O Sonho de Eva cumpre o que promete. Segredos são desvendados, traumas do passado são trazidos à tona em busca de uma solução e o suspense é sempre presente. Se o autor tivesse optado por terminar o livro antes do capítulo final, deixando a narrativa em aberto, e espaço para uma sequência, eu ficaria grato. Não me incomodaria de passar mais alguns capítulos com Eva e Alec.

 

O Sonho de Eva (2012) Chico Anes – 304 páginas, ISBN 9788581630069,  Editora Novo Conceito. [Comprar no Submarino]

{B-}

Tweet