22 de setembro de 2011

Tokyo Godfathers: uma maravilhosa viagem pelas ruas de Tóquio

TEMPLARGE(50)A vida nas ruas não é fácil em lugar algum, nem mesmo nos países de primeiro mundo. Em Tokyo Godfathers vemos isso da forma mais cruel, porém fantástica,  acompanhando a louca corrida de três desabrigados pelas ruas de Tóquio, em busca dos pais de um bebê que fora abandonado.

Dirigido por Satoshi Kon, genial diretor japonês falecido em outubro do ano passado, e Shôgo Furuya, e roteirizado por Kon e Keiko Nobumoto, o filme inicia nos apresentando os três personagens principalis: Gin, um homem de meia idade; Miyuki, uma garota que fugira de casa; e Hana, um travesti, todos eles moradores de rua. O que se nota, logo de cara, é que essas três figuras, que, por algum motivo acabaram indo morar na rua, sem uma família, nesta se unem como uma, um tanto plural e disfuncional dada a situação, mas com traços claros de que realmente são uma família.

Isso é só o começo da mágica do filme. O fato de três desabrigados sentirem à necessidade de se unirem mostra ao espectador que aquele é um grupo no qual se pode confiar – mesmo com os constantes xingamentos com que se tratam, e o mal humor que impera em alguns momentos – sendo então as pessoas perfeitas para encontrar um bebê abandonado. E isso acontece, vejam se são uma família ou não, quando Hana convence Gin a procurarem em uma pilha de coisas jogadas fora, uma coleção de livros que vira por lá, para presentearem Miyuki no Natal.

Tokyo Godfathers 1

Então encontram o bebê, e o filme todo começa a se desenrolar. A descoberta da criança na montanha de lixo trás a tona diversos sentimentos nas três estranhas figuras: como moradores das ruas, ficam perplexos ao encontrarem um bebê abandonado às vésperas do Natal, numa noite muito fria. Enquanto Gin e Miyuki preferem levá-lo à polícia, Hana se apega à criança, a quem dá o nome de Kiyoko, dizendo que era a realização de um sonho de menina ter uma filha. Gin é mais prático, e questiona Hana como três sem-tetos vão cuidar de um bebê.

Tokyo Godfathers 3

Por fim, decidem procurar pelos pais de Kiyoko, e, a partir daí, as personagens acabam “amolecendo”. Gin, por exemplo, revela ser ótimo no trato de bebês, e ficamos sabendo como foram parar nas ruas. São esses, talvez, os principais momentos do filme, no qual contam sua história de vida, e como a própria vida os deixaram lá, parados e sozinhos, no ponto onde estavam até se encontrarem. Assim como quando Hana decide dar a bebê uma chance de ter uma lembrança feliz de sua vida, que, segundo ela, é o contrário do que ela teria se fosse entregue à polícia, passando depois de orfanato em orfanato.

A menos que esteja muito enganado, o filme se inicia às vésperas do Natal e termina no dia de Ano Novo, emprestando à história um clima fantástico, permeado com as difíceis situações reais, marca registrada do trabalho de Kon. A bebê, Kiyoko, escapa ilesa de diversos acidentes, e mesmo nos desencontros acabam se reencontrando. É incrível a quantidade de coincidências que acontecem, desde personagens comuns à história de vida dos “padrinhos”, até nomes. Parece – e Hana ressalta isso diversas vezes – que Kiyoko fora um pequeno presente do céu, dado à eles para que iluminasse e resolvesse suas vidas, mesmo tendo que, para isso, se encontrarem com gângsteres, viciados, assassinos e tudo o mais que as ruas de Tóquio podem abrigar. Uma passagem de Miyuki com Kiyoko no colo só vem ressaltar isso.

Tokyo Godfathers 5

A história é muito bem contada, e observando-a bem poderá perceber com facilidade sua estruturação no tradicional sistema japonês de contar histórias do Kishōtenketsu, composto de quatro partes, que podem ser descritas rapidamente como introdução, ação, reviravolta e fim. Bom, pode ser viajem minha, mas o identifiquei. Outro ponto interessante é a construção da imagem dos personagens, cujo traço meio largado contrasta bastante com o capricho emprestado ao cenário, que às vezes chega a parecer real. Cada um dos padrinhos tem seu jeito próprio, seu modo de andar e gesticular, que combinam com seu papel na família, mesmo não se considerando uma – Hana nega veementemente que é apaixonada por Gin. E há a teatralidade do mangá. Mesmo nos momentos mais dramáticos, há a sempre presente dose de humor. Assim, quando estão com raiva, por exemplo, e gritam a plenos pulmões, arregalam olhos, narinas e boca de tal forma que é impossível não sorrir.

Tokyo Godfathers é surpreendente e emocionante. Os personagens são vívidos, e, após saber dos motivos que os fizeram terminar na rua, você se afeiçoa a eles de tal forma que torce para que tenham uma segunda chance, sem sequer imaginar qual seria a segunda chance que a genialidade de Kon lhes proporcionaria. É uma consecução de tragédias e coincidências que acabam por convergir em um surpreendente final.

Tokyo Godfathers (Tokyo Godfathers 東京ゴッドファーザーズ– Japão, 2003) Roteiro de  Satoshi Kon e Keiko Nobumoto, Direção de Satoshi Kon e Shôgo Furuya. Estúdio Madhouse.

{A-}

 

1. O DVD de Tokyo Godfathers é vendido baratinho na Comix.

2. O "viagem" do título, é substantivo ou verbo? Se for substantivo, está escrito da maneira correta, agora, se for verbo, aiaiai...

2 comentários:

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