30 de julho de 2012

Sobrevivente [Resenha #61]

 

 

 

Sinopse: Tender Branson sequestra um avião e decide se matar. Mas, enquanto o avião possuir combustível, ele resolve contar a história de sua vida para a caixa-preta, numa tentativa de explicar como diabos um sujeito decadente como ele quase se transformou em uma celebridade religiosa. 

Segundo livro de Chuck Palahniuk, autor de Clube da Luta, Sobrevivente é uma história ceia de ironia e sarcasmo, que usa como cenário um país que tropeça em seus próprios valores, e onde qualquer um pode virar modelo de qualquer coisa.

 

Pra quem nunca leu Chuck Palahniuk, duas informações: a) seu ritmo de leitura sempre será maior do que deseja; e, b) ao final, sempre chegará a conclusão de que o livro possui menos páginas do que merece. Sei que as duas são complementares, mas são a mais pura verdade, e, ao terminar o segundo livro do autor em menos de dois meses, senti a mesma coisa: li rápido demais e o livro tem páginas de menos. Se tivesse lido mais devagar ou o livro tivesse mais páginas seria a perfeição. Sempre que fecho um livro dele tem um sorrisão na minha cara e, imediatamente, uma saudade no coração. Palahniuk tem um jeito especial de narrar suas histórias, de falar com o leitor de um modo tal que o pior dos psicóticos se torna o mais memorável personagem da literatura de que ele se lembra em muito tempo.

Foi assim com Tyler Durden, o malucão criador do Clube da Luta, e foi assim com Tender Branson, o sobrevivente, último exemplar de uma seita que cometera suicídio coordenado. Poucas vezes dois nomes e duas vozes reverberaram com tamanho impacto em minha mente após terminar um livro. Aconteceu recentemente com Górki narrando sua vida – até os deixei com uma overdose de indicações do autor, mas lembrem-se: se ainda não o leu sempre é tempo! – e há um certo tempo, coisa de três anos, com Elvis Cole, o autodenominado melhor detetive do mundo, um filho da mãe convencido de quem você não consegue sentir raiva por que, no meio de uma página, ele vem e lhe diz que “Vale a pena chorar pelo coração humano, mesmo que de ônix”. Faz mais sentido para quem leu Requiém em Los Angeles, eu sei, mas é bonito mesmo assim. Crais é um autor que gosto muito, o bastante para eu ansiar aprender inglês só para ler seus mais recentes livros, que não possuem nem previsão de serem lançados por aqui, mesmo ficando sempre algumas semanas entre os 10 do Times e do USA Today. Já Palahniuk é o cara que faz valer todo o sofrimento e sentimento de abandono materno pelo qual passei na pré-escola, ao menos saí de lá alfabetizado, lendo. Palahniuk faz valer a pena eu saber ler hoje em dia.

Ele em uma palavra? Gênio. E malabarista. Não dá para explicar, a leitura de seus livros  é um evento particular demais para que se possa reproduzir as sensações em palavras. Sei que, em suma, toda leitura o é, mas lendo-o, e com a aparente proximidade que sua narrativa trás, é como se ele te contasse aquela enxurrada de eventos em particular, uma história dele narrada diretamente pra você, quase uma confissão, advinda, claro, da necessidade que ele – ou seus personagens? – tem de falar, de contar sua história, de ter não somente uma vida, mas uma que seja interessante o suficiente para ser lembrada e compartilhada. Como Tender Branson diz, esta é a função, o objetivo do sobrevivente: contar sua história. Uma pessoa comum diria que é apenas viver, mas ele não vive uma vida sua, na verdade precisa sempre de outro que o guie, o diga o que fazer, utilizando como escape um “serviço” de ajuda por telefone a pessoas desesperadas, a quem ele sempre dá o mesmo conselho: se mate.

Quando Clube da Luta levou um A+ por aqui – não que isso represente tanto quanto a afirmativa anterior possa fazer parecer, notas são subjetivas, e, nem sempre, um livro com nota máxima é mais memorável que um com uma nota menor em um grau qualquer – achei difícil que um outro livro do autor fosse tão bom. Talvez ganhasse a mesma nota, mas daí a proporcionar o mesmo nível de satisfação que o anterior é outra história. Sobrevivente merece um A+ também, podem ver abaixo dos dados bibliográficos, mas me proporcionou sensações levemente diferentes de Clube da Luta.

Apesar de apresentar um certo amadurecimento, por falta de uma palavra melhor, na verdade aqui Palahniuk se mostrou mais consciente de seu estilo, da avalanche de informações permeada com a narrativa em si, e do efeito confirmador das repetições, que atribui uma verdade e certeza tão impactantes que em nenhum momento você é capaz de duvidar de que ocorreram ou que são possíveis. A jovialidade e o tom de novidade de Clube da Luta me encantou mais, é verdade. Sobrevivente é mais refinado, é mais pensado, é mais consciente mesmo. Aqui o autor sabe o que quer e sabe fazer uso das ferramentas necessárias para atingir seus objetivos – não que ele não soubesse no anterior, ao contrário, mas é que a primeira vez é inesquecível, e a segunda, mesmo se superior, não tem mais aquele ar de novidade. É um texto mais maduro, mais elaborado e de certa forma, complexo.

Até a metade do livro, que, a título de curiosidade, é numerado regressivamente, tanto páginas quanto capítulos, o que é uma sacada interessante, pois o suicídio e a morte são os panos de fundo e estamos sempre em contagem regressiva; não se pode imaginar o destino de Tender, você até ousa imaginar, mas a virada é tamanha que te surpreende, e as melhores passagens, e revelações acontecem após ela, apesar de o Tender Branson acompanhado ser muito diferente e – creio que posso dizer – menos genial em seu discurso que enquanto está sozinho.

Palahniuk é, definitivamente, um escritor que deve ser lido, por todos. Não digo que será compreendido por todos eles, mas merece o voto de confiança. E, quem encontrá-lo por aí, dê um abraço nele por mim.

 

Sobrevivente (Survivor, 1999Tradução de Tatiana Leão, 2012) Chuck Palahniuk. 360 páginas, ISBN 9788580444551 Editora LeYa. [Comprar no Submarino]

{A+}

22 comentários:

  1. Concordo simplesmente com tudo que você escreveu! É, realmente, um dos melhores livros que já li. Apesar de apreciar muito a estética do autor, as repetições e a construção madura e perfeita de seus personagens, sei que muitos leitores não vêem muita graça nessa narrativa um pouco mais "parada". Ainda assim, um grande livro!

    Abraços

    Lu Tazinazzo
    http://aceitaumleite.blogspot.com.br/

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    1. Lu, também acho que ele não é o indicado para leitores iniciantes. Talvez um leitor médio, que já saiba lidar melhor com narrativas e discursos diferentes esteja pronto para ler seus livros, que, não sei explicar como - mas é uma sensação que sempre me vem lendo-o - são diferentes, produzem sensações diferentes. Vale muito a leitura!

      Abraços.

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  2. Oi Luciano!
    Não sabia que esse livro é do mesmo autor de Clube da Luta (eu não li, não vi o filme, mas conheço a fama).
    Me parece ser o tipo de livro que eu não compraria se visse na livraria, mas sua resenha me deixou bem curiosa!

    Beijos,
    Sora - Meu Jardim de Livros

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    1. Sora, ambos os títulos merecem ser recomendados e lidos. Acho que é uma boa começar com Clube da Luta, e só depois partir para Sobrevivente, para acompanhar o desenvolvimentos do autor. Bom, sou suspeito pra falar, me tornei fã do Palahniuk ;)

      Beijos.

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  3. Para com isso! Você já indicou Clube da Luta com milhares de elogios e eu já morro de vontade de ler e agora esse livro, me conquistou de primeira na sinopse e depois nessa resenha incrível e recheada de, pelo que vejo, merecidos elogios ao autor. Ai ai ai, tantas recomendações boas por aqui. Adoro.

    Abraço. Tudo Tem Refrão

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    1. Ágata, e se tiver a oportunidade leia! Os dois livros valem muito a pena ;)

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  4. Oi Luciano!
    Eu não tinha reparado que esse livro era do mesmo autor de "Clube da Luta". :O
    Eu ainda não li nada do autor, mas depois de você ter se derramado em elogios a ele estou curiosa para saber o que ele tem de tão especial. Só aquelas suas duas observações do começo da resenha já me deixaram assim.
    Acho que a única alternativa é procurar o livro para comprar. Mas acho que vou esperar a Bienal, vai que eu encontro um preço bom por lá, não é mesmo?
    Mas agora fica a dúvida sobre qual ler/comprar primeiro: Clube da Luta ou Sobrevivente? Me dê uma luz, Luciano!

    Um beijo,
    Luara - Estante Vertical

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    1. Luara,

      Se encontrar ambos sugiro que fique primeiro com o "Clube da Luta", para que, quando você puder ler o Sobrevivente, possa perceber o amadurecimento do autor. De qualquer forma, acho que se dará bem com ele ;)


      Beijos.

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  5. Isso é que é amar um autor!!! Vc está perdido de amor por esse autor, isso também acontece comigo com alguma frequência tem autor que faz isso, faz vc se sentir flutuando enquanto ler, isso é maravilhoso!!! Você me lembrou a sensação que tive ao ler Fernando Pessoa pela vez ou Pratchett ou Machado de Assis e Millan Kundera \o/ Você pensa: "Como alguém consegue ser tão, mas tão genial!?!?!" E agradece aos céus pela dadiva de ser capaz de interpretar aquele texto e sentir as palavras fluírem pelo seu corpo, mente e coração a dentro! Ler assim é uma experiencia única.

    Agora, a parte meu momento de identificação e epifania literário, Luciano eu tenho que dizer: "Como vc é dramático!!!

    Eu ri com a forma que você falou sobre a pré-escola, meu amigo (posso chamar de amigo?!?) como você é mexicano ou shakespeariano (que é mais fino, mas da no mesmo) meu Deus como assim Abandono Materno???

    Gente ser alfabetizado é uma necessidade, acredite as mães sofrem por deixarem vocês lá, a maioria passa maus bocados no primeiro dia delas é um sofrimento viu, tem mãe que até chora, acredite rsrsrs...

    Eu morro de vontade de ter filhos, com enfase no gênero masculino porque meninos é tudo, uma delicia em todos os sentidos e mais com farinha, mas será que meus pirralhos vão ser assim tão apegados a mim?!?!? Ah, tem que ser!!! rsrsrs...

    Parabéns Luciano pela paixão!!!! Cheros e se cuide, continue dramático porque assim eu me identifico rsrs...

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    1. Haha, Pandora!

      Sabe, amo mesmo Palahniuk, não tem como ser diferente. É gênio! Sempre é muito recompensador encontrar autores que nos façam sentir assim.

      Quanto ao dramático, sou um pouco, mas é que a experiência na pré-escola foi traumática para mim, não suportava aquele ambiente e me sentia abandonado mesmo. Foi tenso, mas sobrevivi e ainda consegui sair de lá alfabetizado, o que já é alguma coisa....

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    2. Caraca doeu em mim!!! Tem criança que sofre mesmo quando começa a vida escolar, geralmente são os meninos mais introspectivos, eu chego a lamentar por você, pq as lembranças dos meus "filhos dos outros" ainda está fresca na cabeça e é pauleira mesmo!!! Que bom que vc superou!!!

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    3. É um período tenso! Nem sei como será quando tiver um filho...

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  6. Amei a resenha, ainda nao conhecia o livro.
    :D

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  7. Oiii
    Nuunca tinha lido nadinha desse livro antes, mas eu gostei bastante da sua resenha.A capa não é lá das mais lindas que eu já vi, mas até que é bonitinha..erro meu julgar as capas dos livros né? não consigo abandonar essa mania..:P
    Mas, voltando ao assunto principal, adorei a resenha, a história do livro é muito interessante..quero muito ler.
    Bjs
    http://shakedepalavras.blogspot.com.br

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    1. Ah, a capa sempre é um grande chamariz para um título, também me pego fazendo isso constantemente, rs.

      E se puder ler Palahniuk o faça! tenho certeza de que vai gostar.

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  8. Nossa adorei ai que bom que vc gostou assim mais um livro pra minha lista (enorme) pra ler, pois adoro isso de agente ler e ficar com vontade. Ainda não conhecia o autor.

    bjs

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    1. Luana, se tiver a oportunidade leia Palahniuk. O estilo dele é único, encantador. Espero que goste.

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  9. É muito bom quando um autor demonstra tamanha capacidade de impressionar um leitor e deixar sua marca. Ainda não li os livros de Palahniuk, mas pretendo fazê-lo em breve.

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    1. Cris, se tiver a oportunidade o faça. Palahniuk é um gênio!

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  10. Pelo que já ouvi falar tão bem das obras de Chuck Palahniuk estou louca para ler um livro dele. E O Sobrevivente já tem uma história por demais delicada e complicada de se narrar e depois de tantos detalhes e comparações já estou ansiosa. Òtima resenha e recomendações vindas é porque é bom mesmo.

    Beijos

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    1. Irene, vale muito a pena ler qualquer livro do Palahniuk, é um modo diferente de narrativa, particular, só dele. Grande escritor.

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Oscar