19 de novembro de 2012

A Morte da Luz [Resenha #084]

A Morte da LuzSinopse: Primeiro livro escrito por George R. R. Martin, autor da renomada série As Crônicas de Gelo e Fogo, foi premiado com os principais prêmios do mundo de fantasia e ficção científica. Desde essa primeira história o autor já mostra o que o tornaria mundialmente famoso, seus personagens que não são nem vilões, nem heróis, mas sim seres complexos como todos nós. Um planeta está prestes a morrer, seu caminho se afasta das estrelas que trazem vida àquele lugar. Suas 14 cidades, construídas rapidamente quando o planeta passou por perto de uma grande estrela, também estão moribundas. Worlorn não é o planeta que Dirk t’Larien imaginava, e Gwen Delvano não é mais a mulher que conhecera. Ela está ligada a outro homem e a esse planeta moribundo preso no crepúsculo, seguindo em direção à noite sem fim. Em meio à paisagem desoladora, há um violento choque de culturas, no qual não há códigos ou honra e uma batalha se espalhará rapidamente.

Tenho saudades do tempo em que a modinha literária eram os livros de ficção científica. E olha que nem ao menos vivi naquela época. Mas mesmo tendo nascido mais de uma década depois; à distância, contemporâneo de um mundo que de muitas formas fora imaginado por grandes mestres, Asimov, Bradbury, Aldiss, Arthur C. Clarke, e David Gerrold ainda assim causam forte impressão quando os leio.

Ler ficção científica com uma distância tão grande é sempre um prazer. Temos a oportunidade de observar as considerações dos autores sobre o futuro – que muitas vezes já se tornou passado – e colocar na balança: os prognósticos que se concretizaram, o que ainda é coisa de ficção científica, e o que hoje parece ingênuo de ser imaginado.

Nesta minha primeira oportunidade de ler George RR Martin, o famigerado autor das “Crônicas de Gelo e Fogo”, tenho o privilégio de lê-lo também em seu primeiro romance. Bom, será bastante útil para futuras comparações.

Em A Morte da Luz, conhecemos Worlorn, um planeta errante, ou seja, que não orbita regularmente em nenhuma estrela, vagando indefinidamente pelo espaço, sem que nenhum astro exerça uma força gravitacional forte o suficiente para retê-lo em sua órbita.

Dirk é chamado até o planeta por sua ex-namorada, que, após uma separação traumática, ficara sete anos sem reencontrar. Mesmo estranhando o fato – embora no fundo ansiasse por ele – decide ir, pois a fizera uma promessa tempos atrás e a cumpriria, fazendo o que fosse necessário. Ao chegar lá a encontra casada, e, aparentemente, pouco disposta a reatar o antigo namoro, o que o deixa um tanto confuso, sem saber ao certo o motivo de seu chamado.

A Morte da Luz é uma ficção científica clássica, com muitas conjecturas acerca de aspectos sociais e filosóficos, e leitores não habituados podem ter dificuldade em acompanhar ou se cansar rápido. No livro, diversos planetas foram colonizados, milhares de anos se passaram e códigos de honra são levados ao extremo dando espaço para xenofobia, preconceitos e tudo mais. O universo como um todo, apesar de desenvolvido tecnologicamente, parece um grande western americano, como muita gente disposta a sacar a pistola – laser – ao primeiro sinal de desagrado da outra parte.

O livro também toca em um ponto bastante explorado em títulos de ficção científica: as diferenças culturais e os preconceitos e julgamentos precipitados que podem ser feitos para quem observa a distância ou não tem conhecimento mais profundo sobre determinado povo.

Os kavalarianos, por exemplo, uma das etnias mencionada no livro, são um povo extremamente orgulhoso que detém alguns costumes bastante peculiares e que, por nossa sociedade, poderiam ser vistos quase como selvagens. A mulher é sua propriedade, possui poucos direitos, e o laço mais estreito e sincero que um homem fará em sua vida será com outro homem, na qualidade de amigo. Mas não fica apenas nisso: este amigo também tem direitos sobre a mulher do outro, que vive em constante submissão. Uma escrava – e também sexual – diríamos. É preciso dizer, também, que os kavalarianos consideram boa parte daqueles que não são kavalarianos como quase-humanos, bestas, diabos, animorfos.

Dirk não entende a razão de Gwen se sujeitar a isso, pois sempre fora uma mulher forte, independente, mas há coisas que o amor faz que são complicadas de entender, e um fator externo faz com que fiquem ainda mais confuso.

É aí que Martin leva boas páginas descrevendo a estrutura social kavalariana, assim como aspectos chave de sua história. São trechos interessantes e importantes para que se entenda o que se passa, os laços que são formados e até onde cada um está disposto a ir para mantê-los firmes. E este é um livro onde os personagens são guiados por aquilo em que acreditam. O que é muito bom, diriam, mas todos sabemos o que acontece quando homens plenamente convictos de seus ideais encontram outros com ideias totalmente contrárias.

O planeta Worlorn é muito bem descrito. No início do livro, Martin narra sua descoberta, e a construção de grandes cidades em sua superfície para se celebrar um festival; cada uma delas construída por um povo diferente, visando a representar sua arte e modo de vida; e mesmo, para alguns, sua superioridade, seja artística, econômica, intelectual, ou até sua despreocupação quanto a tudo isso. Elas são bastante diferentes entre si, e o tour que o autor faz por elas é fantástico.

Só achei que a ação do livro demora a se desenrolar. Apesar de ser plenamente compreensível que, devido à complexidade da sociedade kavalariana criada por Martin, uma boa base tenha sido fundamental para situar o leitor no tempo e espaço criados por ele, alguns leitores podem desistir. O que é uma pena.

Martin se mostra tão competente ao narrar ação que quando descreve paisagens ou intrincados sistemas sociais. Confusa e meio fora do ar, Gwen decide fugir com Dirk, quando este é desafiado para um duelo por um kavalariano que se sentira ofendido por uma das ações do protagonista.

Apenas após isso vemos o quanto um planeta que caminha para a hibernação enquanto se afasta de seu sol – belamente descrito como um conjunto de vários sóis – é hostil. Repleto de criaturas trazidas dos mundos participantes do festival, os bosques são cheios de segredos e perigos, um ambiente nada propício para uma pessoa como Dirk, e o que ele tem que enfrentar ali muda profundamente a pessoa que ele é.

Como minha primeira leitura de Martin, posso dizer que fiquei ansioso por começar logo “As Crônicas de Gelo e Fogo”. Narrador competente, consegue manter o leitor imerso mesmo enquanto passeia por temas que não são dos mais empolgantes. E é isto que o livro é: um passeio dos mais vigorosos por um mundo de ficção científica. Os fãs do gênero tem aqui um livro de primeira grandeza.

 

A Morte da Luz, de George R. R. Martin (Dying of the Light, 1977Tradução de Marcia Blasques, 2012) 336 páginas, ISBN 9788580444926 Editora LeYa. [Comprar no Submarino]

{A-}

16 comentários:

  1. Uau!!! Um A vindo de você é sempre um A néh?!? O melhor de Martin, na minha opinião, é a narrativa, ele é totalmente superlativo quando conta!!! Agora eu confesso que apesar de amar "As crônicas..." sempre me irrito com o estruturalismo presente na forma como ele compreende as sociedades e culturas humanas! #ProntoConfessei...

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    1. Pandora, ele, por vezes, tem uma visão que me parece até preconceituosa, na medida em que se posciona em favor de uma delas. Mas isto não estraga a beleza do livro, é uma excelente obra de ficção científica, vale ler ;)

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    2. Pois é, esse preconceito também não me escapa e me irrita profundamente... Sem contar que ele pensa que toda mulher sensível tem uma queda por brutamontes rsrs... Táh que todas as mulheres que conheço tem um fraco pelo Droguinho... Mas... Bem... Não é tão assim...

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  2. Ficção Científica é meu gênero favorito depois dos suspenses policial. E concordo com o que você falou, quando lemos uma ficção científica "meio velho" dar para ver o que se concretizou ou não. Acho isso engraçado.
    Ainda não li nada do Martin, mas é um dos autores que estão com livros no topo da minha lista de desejados.
    E concordo com o comentário acima, um A vindo de você é um A, ashauahauah. Preciso ler! Ótima resenha!

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    1. Lucas, sempre me dou bem com livros de FC, é um terreno no qual me sinto confortável. Olha, foi meu primeiro Martin e gostei bastante, se puder de uma olhada nele ;)

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  3. Uma das suas melhores resenhas, com certeza. Meu Deus, eu adoro o jeito como você escreve. Eu quero muito ler esse livro, ando assistindo a série de Game of Thrones e estava querendo comprar os livros, mas to achando que vou comprar este primeiro, como você disse, é o primeiro livro do autor é bom para futuras comparações. Desde que li a sinopse desse livro eu o quero ler.

    Tudo Tem Refrão

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    1. Ágata, eu tenho os livros da sére "Crônicas de Gelo e Fogo", mas ainda não comecei a ler. Adoro a série, espero conseguir ler os livros logo.

      E obrigado pelos elogios, rsrs.

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  4. =D

    Adorei a história, parece legal, e essa história de mulheres escravas em países com população selvagem cheira muitíssimo a Darkover, da Marion Zimmer Bradley... será que é parecido? Ela começou a escrever a série Darkover em 1958 (!) e o Martin lançou esse em 77, então pode ter influenciado sim... Deu vontade de ler, demais, pra ver se é parecido ou não e tal e coisa. E deu vontade de ler Darkover de novo também.

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    1. Sharon, eu não conheço Darkover, agora deu vontade, rsrs, apesar de não ter me dado muito bem com As Brumas de Avalon, da mesma Marion.

      Veremos ;)

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  5. Começa As crônicas logo sim! Só li o primeiro (tenho todos em casa, mas spoilers da irmã meio que me deram uma desanimada para continuar) mas ele é fabuloso. Os críticos falam que ele é melhor autor de SciFi do que de fantasia, mas eu não acredito muito nisso.

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    1. Isabel, começo este fim de ano, sem falta, quando estiver de folga ;) daí vou poder comparar se ele é melhor em FC ou fantasia ;)

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  6. Oi Luciano!
    Eu ainda não pude ler muitos livros da temática, apesar de ter gostado muito dos que eu li.
    Acredito que com esse não será diferente, afinal, se um autor é tão aclamado assim quanto o George R. R. Martin, deve sair alguma coisa pelo menos boa dele, não é? O que eu não posso garantir, porque eu também não li as Crônicas ainda. :x
    Uma coisa que eu notei é que ele é bem detalhista, não é? Quanto ao mundo que envolve os personagens pelo menos. Não sei se isso é um fator positivo ou não. Vamos ver.

    Um beijo,
    Luara - Estante Vertical

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    1. Luara, eu gosto dos detalhes, e aqui eles são muitos. Quem for mais afobado, que prefere a ação em primeiro lugar vai sentir no ritmo de leitura, mas, se persistir, terá um excelente livro em mãos.

      Beijo ;)

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  7. Olha, eu não conhecia esse livro. Sempre quis ler o autor, por curiosidade mesmo, mas não tenho coragem de começar a série A Guerra dos Tronos porque ela não tem fim e minha fila de leitura também não, mas este romance já muda um pouco as coisas. Às vezes prefiro conhecer um autor por suas obras menos badaladas, assim eu não chego à leitura já com conceitos pré-formados.

    Grande abraço!

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    1. Lu, a série é enorme mesmo, por isso que até foi bom eu começar por um livro mais curto. Ele escreve bem , do jeito que eu gosto. Vale ler ;)

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  8. Acho que ler esse livro é uma forma de conhecer o autor e pelo que disse sua narrativa contagia. Estou com os dois primeiros livros da série da "Crônicas de Gelo e Fogo" e ainda não tive como ler e nem me animei. Ainda bem que a Pandora já leu esses dois e colocou resenha na Saleta. Agora estou aguardando ela oder dar continuidade na série. Ótima resenha que só nos incentiva a ler não só A Morte da Luz, mas todas suas obras.

    Beijos

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Oscar