29 de novembro de 2012

Feita de Fumaça e Osso [Resenha #087]

Feita de Fumaça e Osso

 

Sinopse: Pelos quatro cantos da Terra, marcas de mãos negras aparecem nas portas das casas, gravadas a fogo por seres alados que surgem de uma fenda no céu.Em uma loja sombria e empoeirada, o estoque de dentes de um demônio está perigosamente baixo. E, nas tumultuadas ruas de Praga, uma jovem estudante de arte está prestes a se envolver em uma guerra de outro mundo.O nome dela é Karou. Seus cadernos de desenho são repletos de monstros que podem ou não ser reais; ela desaparece e ressurge do nada, despachada em enigmáticas missões; fala diversas línguas, nem todas humanas, e seu cabelo azul nasce exatamente dessa cor. Quem ela é de verdade? A pergunta a persegue, e o caminho até a resposta começa no olhar abrasador de um completo estranho. Um romance moderno e arrebatador, em que batalhas épicas e um amor proibido unem-se na esperança de um mundo refeito

Meu primeiro contato com “Feita de Fumaça e Osso” foi um tanto quanto frio. Acreditei que era mais um livro com seres fantásticos, uma história de amor, e os muitos clichés que estão sempre presentes nestes livros. Mas Laini Taylor é uma mulher que sabe das coisas, inverteu a ordem dos fatores, mostra ao seu leitor que o lado feio é o bom e me ganhou paraseu time, sem eu ter que pensar duas vezes.

Karou é uma garota dona de cabelos azuis e diversas tatuagens pelo corpo que estuda Arte em Praga.  Como toda garota, tenta levar uma vida normal, estudando, saindo com sua melhor amiga enquanto tenta se recuperar de uma desilusão amorosa e se livrar de um ex-namorado chato que, apesar de tê-la traído, não a deixa em paz. Mas o quanto se pode ser normal quando você foi criado por feras e trafega mundo afora por portais mágicos recolhendo dentes para um mercador misterioso que, quando você era criança, te embalava no colo?

Brimstone, o tal mercador, tem uma loja em uma espécie de mundo paralelo, onde recebe “fornecedores” de todos os cantos do planeta que lhes traz um tipo estranho de mercadoria: dentes. Mesmo tendo sido criada neste ambiente, Karou não entende a utilidade destes dentes que enchem diversos potes e prateleiras, de todas as espécies possíveis, inclusive humanos.

Tendo sido criada em um ambiente assim, é claro que Karou precisa ter uma vida dupla se ao menos sonhar ser “normal” quando está em nosso mundo. Sendo uma simples estudante de arte, esconde que na verdade é uma espécie de coletora para Brimstone, indo até fornecedores de dentes que, por alguma razão, não têm mais a permissão de frequentar a loja.

Para realizar estas missões, Karou precisa se ausentar constantemente, as vezes por um bom tempo, pois nem sempre as tarefas são fáceis, o que faz com que nunca tenha conseguido criar ou manter laços profundos de amizade. Rodeada de segredos, não pode se abrir para ninguém, ficando refém da situação, que, apesar de necessária, é injusta.

Injusta por ela saber tão pouco sobre a tarefa de Brimstone e a utilidade daqueles dentes e por poder contar tão pouco para sua única amiga, Zuzana. Ela nem mesmo sabe quem é na verdade, pois é um tanto quanto estranho uma bebê humana ser criada por uma “família” de quimeras. Digo família por ser isso que as quimeras que vivem na loja formam. Apesar de descritas como feras compostas por partes de diversos animais, Karou não vê nelas monstros, mas sim algo familiar, que esteve sempre por perto, até mesmo bajulando-a, como se faz com toda criança.

Esta era a vida de Karou até que ela recebe um chamado urgente de Brimstone, sai a procura de mais dentes, e encontra Akiva, um anjo.

Neste ponto sabemos o quanto Brimstone a deixou de fora, completamente ignorante sobre quem ela é e o que se passa verdadeiramente nos mundos, tanto o humano quanto o paralelo, onde vivem as quimeras. Ela nem mesmo sabia que estavam em guerra, que anjos eram inimigos, e isto poderia ter tirado sua vida facilmente, se o anjo não tivesse hesitado por um momento, e ela descoberto que possuía alguns poderes.

Akiva vê nela algo que lhe é minimamente familiar, o que faz com que fique obcecado por ela, e precise seguí-la, conhecê-la melhor, falar com ela. A partir deste ponto fatos realmente importantes começam a acontecer, e Karou, aos poucos, vais sabendo quem é.

Adorei o livro. Mesmo. Karou é uma personagem admirável, extremamente cativante, e sua ignorância quanto aos aspectos que a rondam é de tal forma angustiante que muitas vezes questionei toda a solicitude com que realiza as tarefas de Brimstone, mesmo que, se  for pensar bem, poderia ser movida por gratidão por aquele que, até ali, fora seu protetor – mesmo que ela pense que o protegeu do nosso mundo, ignorando por completo que foi de algo maior.

Ela vai descobrindo mais sobre si mesma conforme o texto se desenvolve, e o melhor é que o leitor vai acompanhando-a, podendo observar como ela reage frente às inúmeras descobertas que faz, e percebemos a real dimensão do quanto ela estava perdida em meio a tudo.

Uma guerra está acontecendo, quimeras e anjos lutam por milênios em busca de supremacia. Há mais detalhes mas seria estragar a surpresa. O que não posso deixar de mencionar é que a autora parece humanizar as quimeras na figura de Brimstone, Issa e Yasri, os três seres que cuidaram de Karou, e passamos a, mesmo inconscientemente – e em grande parte por causa dela – torcer por eles, deixando à perfeição angélica o posto de “caras maus”.

Este é apenas um dos muitos trunfos da autora. Reverter a ordem, questionar conceitos, e fazer o leitor seguir firme com ela, tendo aquilo como o mais acertado para a situação na qual os personagens se encontram. Em certo momento Karou chega a colocar Akiva, o anjo, contra  a parede, questionando-o se eles, os anjos, são bons apenas por serem belos. E, se sim, isso faria das quimeras meros monstros apenas por causa de sua aparência?

É, pensando bem, até um recurso simples, o de se questionar e induzir, mas a autora faz isso com tamanha propriedade que ele parece excepcional.

O livro é narrado em terceira pessoa e lá pela metade começa a narrar em flashbacks a história de Madrigal, que por alguma razão está ligada à Karou e Akiva. Apesar de fundamentais para o entendimento da história, não gostei tanto destes trechos e eles se arrastaram um pouco. É como se o ritmo fosse quebrado, e, mesmo que os fatos narrados sejam bem formulados e interessantes, o quanto me identifico e gosto de Madrigal e Akiva não chegam nem perto do quanto gosto de Karou. É como se a autora tivesse cavado uma armadilha para si mesma, fazendo de Karou um personagem tão apaixonante que os outros ficam ofuscados perante ela.

Também senti falta das passagens dela com sua amiga, Zuzana. Estes momentos eram ricos, e, apesar de acessórios à narrativa, diziam muito sobre quem Karou é e gostaria de ser. Além do que a Praga descrita pela autora é um cenário perfeito para um livro carregado de tensão e mistério, então cheguei a lamentar a mudança de ares em dado momento do livro.

Mas não se pode ter tudo, claro, e o que o livro nos entrega é mais que o bastante para que fique ansioso pela continuação. 1-0 pra Laini Taylor. Mas, nestes casos, quem ganha somos todos nós.

 

Feita de Fumaça e Osso, de Laini Taylor (Daughter of Smoke and Bone, 2011 Tradução de Viviane Diniz, 2012) 384 páginas, ISBN 978-85-8057-248-3,  Editora Intrínseca. [Comprar no Submarino]

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12 comentários:

  1. Nossa, eu sinceramente não dava um saquinho de alfafa para esse livro, mas sua resenha, como sempre, foi muito esclarecedora. Gostei muito da premissa do livro, que usa elementos que fogem do lugar comum (afinal, o que há de interessante em dentes?), e isso me desperta mais a curiosidade.

    Vou ler, num futuro próximo, porque pretendo começar 2013 - se o mundo não acabar - com uma fila menor de livros e menos dinheiro gasto, hehehe

    Abraços!

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    1. Lu, os dentes são parte importante da história e, depois que sabemos a razão o título do livro passa a fazer muito sentido...

      Gostei muito. Vale ler.

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  2. A? Eu devorei a resenha assim que a vi porque já tinha ouvido falar desse livro e me interessado, portanto queria saber sua opinião. Adorei! Estou colocando como desejado no skoob agora mesmo, porque A? Nossa, é surpreendente. A originalidade me chamou a atenção.

    Tudo Tem Refrão

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    1. Ágata, eu me arrependo de não tê-lo lido antes! Gostei muito, Karou é uma personagem adorável, nossa, que venha logo uma continuação.

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  3. Uau!!!! Adorei!!! Isso é fantasia boa é o tipo de leitura que faz minha cabeça com muitas exclamações!!! Cabelo azul, mundos paralelos e Praga a cidade de Milan Kundera (um dos meus amores literários por toda a vida) e tem um A de um dos leitores mais ranzinzas que conheço (não um A+, mas um A já é muito saindo de você néh?!?!).

    #PrecisoLer

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    1. Hahaha! Pandora. Vale a pena ler, tem mesmo tudo isso que você falou ;)

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  4. Também não encontrei o que eu esperava quando li esse livro. Vi alguns problemas nos diálogos, mas nada que prejudicasse demais, sabe?

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    1. Isabel, no geral achei que o livro se sustenta. Agora sigo ansioso pela continuação.

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  5. Oi Luciano!
    Nossa, não sabia que esse livro era tão bom assim! Achei que não ia ter nada de diferente dos outros livros sobrenaturais... Mas agora quero ler!

    Beijos,
    Sora - Meu Jardim de Livros

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  6. Oi, Luciano.
    Eu tenho vontade de ler esse livro. Muita aliás, li boas resenhas dele (e agora a sua, mais uma para a minha coleção) e quero entender o que tem de tão especial na história.

    Gislaine,
    atualizado, comenta?
    Jeito Inédito

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  7. Olá Luciano
    Confesso que a minha curiosidade por esse livro despertou desde seu lançamento. Agora sua resenha me fez ver que ele é muito mais do que eu esperava. Curiosidade nivel master.

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Oscar