24 de maio de 2013

O Livro do Amanhã, de Cecelia Ahern [Resenha #129]

O Livro do Amanhã


Sinopse: Nascida no luxo, Tamara Goodwin, de 16 anos, nunca precisou olhar para o amanhã, até que a morte abrupta de seu pai deixa a ela e a sua mãe uma montanha de dívidas e as obriga a se mudarem para a casa dos tios de Tamara, em um vilarejo no interior. Solitária e entediada, a única diversão de Tamara é uma biblioteca itinerante. E ali, ela encontra um livro muito misterioso. Tamara vê inscrições com sua própria letra e datadas para o dia seguinte. Quando tudo acontece exatamente como o livro previa, ela percebe que pode ter encontrado a solução para seus problemas. No entanto, Tamara descobre que é melhor não virar algumas páginas e que, apesar de muito tentar, não pode mudar o destino.


Se eu tivesse entendido o fantástico presente na obra da autora Cecelia Ahern, provavelmente teria aceitado com muito mais facilidade a intervenção da “Vida” de Lucy em “A Vez da Minha Vida”. Uma das coisas que reclamei foi da estranheza do fato – a vida de alguém intervindo na vida desta pessoa – e de como ficava difícil seguir com a narrativa sem imaginar o quão impossível aquilo era.

FAN-TÁS-TI-CO. Uma palavra que, se eu a absorvesse de modo mais completo e a ligasse ao ideário da autora, teria me dado uma experiência de leitura bem mais agradável. Mas é sempre tempo, e com o “O Livro do Amanhã” tive uma das melhores leituras do ano.

Tamara Goodwin crescera em meio ao luxo, tendo tudo o que quisesse e sendo, como é natural com pessoas que tem tudo muito fácil – ou com o estereótipo que se tem como delas – é irritante, ingrata, e age de forma a punir os pais por algo que ela mesma não sabe bem o que é. Até que eles vão à falência, seu pai morre, e ela tem de dizer um grande “Olá” para uma nova vida, morando no campo, em uma guarita próxima a um castelo destruído, e, o pior, de favor com seus tios.

Por ser adolescente, falida e revoltada, Tamara me conquistou com uma facilidade bem maior que Lucy, a namorada abandonada do livro anterior. A adolescência é um terreno fértil para rebeldia, agressividade e afins, que podem ser muito bem exploradas pelos autores de ficção, e, no caso de Cecelia Ahern, ela consegue acrescentar à mistura um sarcasmo ferino que é genial, dando a Tamara uma necessidade de tornar as situações mais simples desconfortáveis que me ganhou completamente.

O livro é narrado em primeira pessoa, com Tamara contando o que acontecera com seu pai e como acabara, com uma mãe num torpor bastante compreensível, indo morar com os tios, personagens estranhos com os quais mantivera, durante toda a vida, pouca relação que não esporádicas visitas. Sua tia Rosaleen, é uma mulher com mania de arrumação e limpeza que adora ter alguém de quem cuidar, que necessite constantemente de seus esforços, como se ela se alimentasse disso, já Arthur, seu marido, é a passividade em pessoa.

Eles se esforçam por tronarem a estadia de Tamara e sua mãe confortável, e até mesmo a superproteção e total falta de espaço que Rosaleen confere à Tamara me comoveram, por eu imaginar – como a personagem conjectura à certa altura – que ela apenas não sabe como se comportar por nunca ter sido mãe, ficando numa posição difícil agora que a mãe de Tamara não tem condições de zelar pela filha, cabendo isso à ela, que não tem experiência alguma no assunto. Se é para pecar, que se peque pelo excesso.

O cenário é bastante estereotipado mas não destoa do que se imagina dos arredores das grandes casas rurais do norte da Inglaterra: campos imensos, vilarejos nos arredores e prédios depredados onde antes viveram com conforto a mesma família por dezenas de gerações, até terem de partir por falta de dinheiro para manter o lugar. Tamara explora o lugar, visita o castelo, e conhece personagens inesquecíveis, como Marcus, Wesely e Ignatius. Não vou falar sobre nenhum deles, é interessante descobrir junto com ela quem eles são, só posso dizer que através de um deles cairá nas mãos dela o tal livro, que lhe conta, misteriosamente, o que acontecerá no dia seguinte.

O que uma pessoa faria se soubesse, de uma forma ou de outra, o que aconteceria no amanhã? Bom, sabendo do ontem, Jasão, um dos tripulantes da Operação Cavalo de Troia, série de grande sucesso do autor JJ Benítez, partira rumo ao passado a fim de documentar os últimos dias de Jesus de Nazaré e ficara surpreso ao ser reconhecido e amavelmente cumprimentado pelo Rabi da Galileia, que nunca o havia visto – numa das passagens do livro que mais me emocionam, tenho de resenhá-lo um dia – ; já na série Early Edition, um sujeito recebia em casa, trazido por um gato, se não me falha à memória, um jornal contendo as principais notícias do dia seguinte, cabendo a ele tentar evitar as maiores tragédias, o que não se dava sem um tanto de sofrimento. Ambos os casos mostram que, mesmo conhecendo a História, nada acontece dentro de trilhos pré-estabelecidos, e tudo é mutável. Claro que aqui me atenho ao campo da ficção, mas é bom conjecturar com o que de melhor a ficção já me proporcionou.

Mas o que se faria? Tamara, sabendo que o livro lhe mostra o que acontecerá no dia seguinte – e após se recuperar do bastante compreensível susto que toma ao ter o livro em mãos pela primeira vez – decide tentar adaptar o que ali lê da melhor forma possível, mantendo o que se mostrara certo e tentando alterar o que não fora tão bom assim, numa tentativa de compreender o que se passa ao seu redor e, com isso auxiliar sua mãe.

É agradável ver o crescimento de Tamara como pessoa, a forma como ela vai se tornando alguém mais responsável enquanto repensa suas ações com sua família, sem, no entanto, perder por completo aquilo que desde o começo é sua marca registrada: sua língua ferina e o gênio forte. Me surpreendi com a forma como a autora balanceou tudo isso, conseguindo manter colado um enredo que – apesar de fantástico – vai ganhando bem-vindos contornos misteriosos conforme se avança na narrativa, e mostrando à personagens saídas enquanto ela se vê tão presa em si mesma.

Pra finalizar, Cecelia me conquistou de vez com este livro, ela se supera em todos os sentidos com relação ao “A Vez da Minha Vida”. Aqui temos uma autora que sabe os caminhos que sua própria obra tem que seguir, mesmo que tortuosos, se emparelhando com uma coleção de personagens inesquecíveis – para o bem e para o mal – e segredos tão bem pensados que de forma alguma a primeira metade do livro nos faria supor.

Com o “O Livro do Amanhã” ela conquista de vez minha admiração.

 

O Livro do Amanhã, de Cecelia Ahern (The Book of Tomorrow, 2010Tradução de Alda Porto, 2013) – 368 páginas, ISBN 9788581630342, Editora Novo Conceito. [Comprar no Submarino]

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14 comentários:

  1. Uau!!! Conquistar você é um feito!!! #Exigente

    Também é legal ver que a Cecelia tem achado seu tom na narrativa e seu estilo de personagem, estou padecendo de uma certa vontade de voltar a lê-la para conferir o que acontece com a narrativa dela quando ela escolhe escrever em primeira pessoa. E sim, o legal da literatura é que o autor não tem nada que o prenda, ele pode voar nas suposições no improvável, acho massa encontrar autores que aproveitam essa possibilidade e voam... o fantástico me fascina...

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    1. Eu achei esse bem melhor que o anterior, com um enredo mais interessante e bem desenvolvido. Ainda tenho que ler o PS, pra ver como é, mas, até agora, meu preferido dela é este mesmo ;)

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  2. Gosto muito de livros sobre reviravoltas nas vidas dos personagens principais. E pela sua resenha o livro parece ser realmente bom. Não li nada da autora, mas estou ansiosa para "experimentar". hahahaha

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    1. Fabíola, acho mesmo que este é um bom livro dela para se começar a ler, mais solto, despreocupado. Espero que goste.

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  3. Esse é um livro que eu jamais esperaria alguma coisa, e veja só, ganhou nota A. Para calar meu preconceito, que aflorou um pouco quando precisei me controlar na compra de livros. Se esse livro tivesse ganhado uma nota B, eu já passaria longe, mas agora não vou esquecer essa indicação tão cedo.

    Abraços!

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    1. A autora já tinha dado sinais de que "conversaria" bem comigo no livro anterior, e neste o fato foi concreto. Gostei, me surpreendeu, vale a pena ler.

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  4. Ainda não li nenhum livro da autora. Mas esse livro e A vez da minha vida, sempre pareceu interessante. Já não me desperta muito interesse PS. Mas vou ali participar da sua promoção, para ver se eu ganho, hahaha.

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    1. Lucas, eu acho que este "O livro do Amanhã" é o melhor para se começar, ele é mais leve que os outros, mais cativante. Se for começar, tente começar por este.

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  5. Oi Luciano, tudo bom?
    Ainda não li nenhum livro da autora, e as opiniões dos blogueiros sobre os livros da Cecelia tem sido muito controversas: alguns amam loucamente e outros odeiam profundamente. Eu não sei bem o que esperar dos livros dela, mas vou com certeza começar por este!

    Beijos!
    www.nathlambert.blogspot.com

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  6. Dos livros da Cecelia, esse é o que mais tenho curiosidade para ler....Como um livro que mostra o amanhã, de certa forma? É um pouco bola de cristal talvez? Acho que esse deve ser o mais fantasioso dos livros de Cecil, mas acredito que vou adorar do mesmo jeito.

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  7. "com o “O Livro do Amanhã” tive uma das melhores leituras do ano." me convenceu totalmente, amei sua opinião sobre o livro e tudo o que você fala. Me interessei muito por ele e quero lê-lo.

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  8. já coloquei na minha estante do skoob, a resenha é muito boa! estou louca pra comprar!

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  9. Ótima resenha e adorei seu jeito de falar sobre o livro.Dá a impressão de realmente você se imaginar no lugar da Tamara e se perguntar: O que você faria? Beijos.

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  10. Luciano
    Depois de ler PS Eu te amo e A Vez da minha vida a autora Cecelia Ahern já é uma das minhas preferidas e vejo que no Livro do Amanhã ela mais uma vez vai nos surpreender. Imagino o que não deve acontecer coma a família acostumada com uma vida farta e depois com a falência toda a mudança que sofrem não só material como emocional. A pessoa amadurece, cresce como gente e isso é natural e bom para dar valor as pequenas coisas da vida.
    Muito boa a resenha como sempre!
    Beijos

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Oscar