24 de junho de 2013

Paperboy, de Pete Dexter [Resenha #133]

PaperboySinopse: Hillary Van Wetter foi preso pelo homicídio de um xerife sem escrúpulos e está, agora, aguardando no corredor da morte. Enquanto espera pela sentença final, Van Wetter recebe cartas da atraente Charlotte Bless, que está determinada a libertá-lo para que eles possam se casar. Bless tentará provar a inocência de Wetter conquistando o apoio de dois repórteres investigativos de um jornal de Miami: o ambicioso Yardley Acheman e o ingênuo e obsessivo Ward James.

As provas contra Wetter são inconsistentes e os escritores estão confiantes de que, se conseguirem expor Wetter como vítima de uma justiça caipira e racista, sua história será aclamada no mundo jornalístico. No entanto, histórias mal contadas e fatos falsificados levarão Jack James, o irmão mais novo de Ward, a fazer uma investigação por conta própria. Uma investigação que dará conta de um mundo que se sustenta sobre mentiras e segredos torpes.

Best-seller do The New York Times, Paperboy é um romance gótico sobre a vida aparentemente sossegada das cidades do interior. Um thriller tenso até a última linha, que fala de corrupção e violência, mas que, ao mesmo tempo, promove uma lição de ética.

Alguns livros não precisam de grandes vilões, mistérios ou segredos para serem interessantes. Nesta categoria estão os livros cujos autores falam da vida como algo rotineiro, narram suas passagens sem que, num primeiro momento, se identifique aquele “Obstáculo” a ser superado, que não os da labuta diária; mas o que está contido ali é algo de tamanha importância que logo se percebe sua grandeza. Paperboy é um deles.

No livro, Jack, um jovem que acabara de perder sua bolsa na faculdade e voltara para a casa do pai, tem de trabalhar como motorista do irmão, um jornalista em ascensão, e seu parceiro, enquanto eles investigam  as circunstâncias do indiciamento e condenação à morte de Hillary Van Wetter, pelo assassinato de um xerife. A dupla de jornalistas, Ward – irmão de Jack – e Yardley, são atraídos para o caso por Charlotte, uma mulher que tem uma estranha queda por condenados à morte e que, após se corresponder com Hillary, fica noiva dele, e luta por sua liberdade, escrevendo aos jornalistas uma carta onde se diz convicta da inocência do noivo.

O tal xerife morto tinha um histórico de violência contra negros, tendo matado mais de uma dúzia deles em seus anos de serviços prestados à comunidade, sem que fosse sequer repreendido por isso, até que matara um branco, pertencente à família Van Wetter, sendo morto logo depois. Contra Hillary – que aqui é um nome masculino – pesam o fato de que, após receber uma multa de trânsito, ter arrancado o polegar de um policial, além de terem sido encontradas as possíveis armas do crime e traços de sangue em seus pertences.

Hillary é um homem desprezível, de comportamento arisco, quase animalesco, que não foge à regra de como se porta sua família e de como são vistos pela sociedade. Os Van Wetter são o tipo de pessoa com quem você evita cruzar o olhar e impede que seus filhos brinquem na escola: com histórico de violência, embriaguez, baderna e pequenos crimes.

Os jornalistas, Ward é o responsável pela coleta dos dados, apuração dos fatos, e de ordená-los da forma como serão apresentados no jornal: a verdade jornalística. Já Yardley é o homem dos floreios, que junta tudo em um texto jornalístico denso, mas que seria incapaz de, por si só, chegar a conclusão alguma sem o auxílio de Ward.

Enquanto Ward é ingênuo, circunspecto e não se altera, dono de uma calma que beira a apatia, Yardley é o personagem mais insuportável que já tive na minha frente, do tipo que se acha o pica das galáxias e faz questão de alardear isso para o mundo; sem contar sua disposição sempre presente em minimizar as qualidades de Ward e ficar com a maior parte do crédito para si.

O livro é narrado por Jack, narrador competente, dono de uma capacidade de observação que por pouco nos leva a crer que é apurada demais para um jovem de dezenove anos, e com uma agradável tendência ao devaneio; que não sabe ao certo como se portar na presença do pai, dono de um jornal local, como se fossem permanentemente estranhos; e, no fundo, se sente incomodado pela preferência do pai por seu irmão, Ward, que seguira a carreira jornalística.

Grande parte da narrativa se concentra nas pesquisas de Ward e Yardley, em busca de um furo no inquérito de Hillary que possa levar a anulação de seu julgamento, com Jack sempre acompanhando como motorista – ambos os repórteres perderam a habilitação – e testemunhando o que acontece.

Se passando nos anos 60, durante a narrativa vez ou outra os personagens esbarram em questões pontuais que ainda hoje se fazem presentes, como os erros processuais que são cometidos pelas polícias de todo o mundo, e a falta de interesse advinda da ideia persistente de que, uma vez condenado, a culpa é fato consequente.

Outro ponto abordado pelo autor são as diferenças sociais, o preconceito racial e a homofobia, esta de forma apenas sugerida. O que torna a inclusão desses fatos no texto algo tão simples, tratado de forma natural, é que eles nos chegam filtrados pelos olhos de Jack, que, mesmo sendo um narrador consciente, não está isento de que a forma como vê o mundo seja moldada de acordo com a percepção íntima que tem dele; ou, como no caso, da impressão que ele tem da família Van Wetter.

E eu, como leitor, não posso deixar de pensar que nós, de uma forma ou de outra, criamos Van Wetters todos os dias. É inerente ao nosso sistema social, e, o mais preocupante, é algo que se retroalimenta: marginalizamos as minorias por, por exemplo e tomando como métrica os Van Wetters, serem baderneiros e tenderem à violência, mas, fazendo isso, eles acabam se fechando em torno de si até mesmo como uma forma de proteção, acabando por fortalecer esses traços.

Eu não recomendaria o livro para qualquer tipo de leitor. É preciso ter certa bagagem para conseguir se interessar completamente pelo livro. Não que ele seja difícil, mas sim por ele ser narrado de uma forma que não busque ápices e momentos de tensão, acredito que um leitor maduro teria maiores condições de acompanhá-lo. E, quando me refiro à forma como foi narrado quero dizer que, tendo participado dos fatos como observador, Jack não nos conta uma história, ele nos informa o que aconteceu, e, por mais que eu não consiga explicar, lendo-o se percebe uma grande diferença nisso.

O livro tem um tom informativo, quase jornalístico, que me fez lembrar do estilo de alguns textos da Rolling Stone, e que sempre me chamam a atenção. Em muitos deles, os jornalistas conseguem captar todo o sentimento à sua volta e o traduzem em palavras, passando da cor do céu ao andar de um passante qualquer, para, só então, chegar no entrevistado. São sempre muito belos e me encantam mesmo, encontrei muito disso aqui, e por isso saí satisfeito. A tradução é do Ivar Panazzolo Júnior, e, sempre, me dou bem com livros traduzidos por ele, o texto sempre flui bem, o que é muito bem vindo.

Se você quer não só ler um livro,mas ter uma experiência de leitura, eu te indico “Paperboy” com um sorriso nos lábios. Ele é daquele tipo de livros que nos acrescenta, que nos dá algo ao final que levaremos conosco para nossa próxima leitura e, além dela, em nossas vidas. Vale cada linha.

 

Paperboy, de Pete Dexter (The Paperboy, 1995 Tradução de Ivar Panazzolo Júnior, 2013) – 336 páginas, ISBN 9788581632186, Editora Novo Conceito.

{A-}

30 comentários:

  1. Adorei sua resenha! Confesso que peguei o livro pra ler e deixei de lado após ler algumas páginas. Acho que não estava preparado para lê-lo naquele momento.

    Estou muito curioso em relação ao Paperboy! Parece mesmo ser bom.

    Abraços.

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    1. Igor, o problema de livros como "Paperboy" é que, na falta de um objetivo central na narrativa, fica difícil continuar a leitura se não se pode manter uma relação de empatia com os personagens....

      Mas vale a pena :)

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  2. Oii
    Cara, confesso que já havia encontrado Paperboy em uma livraria da minha cidade, mas olhei pra capa e não dei importância. Como eu fui tolo! hahaha Histórias investigativas são sempre bem vindas. E essa com o toque jornalístico, deve ser sensacional!! Ah, é que sou estudante de jornalismo, então, acredito que seria uma ótima leitura para mim ;)

    Abraços, Diego.

    http://aculpaedovisconde.blogspot.com.br/

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    1. Diego, achei o livro muito bem escrito, na medida certa. Vale a pena ler ;)

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  3. Nos últimos tempos, não tenho me interessado pelos livros da NC, mas Paperboy chamou minha atenção. Mesmo a capa sendo o poster do filme, achei bem interessante. Adoro esse tipo de enredo e as polêmicas que são discutidas depois. É muito complicado e contraditório, não se pode generalizar, mas enfim, não vou começar a discorrer sobre isso agora senão eu não trabalho mais hehehehe

    Abraços!

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    1. Eu acho que a editora tem alguns títulos discutíveis no catálogo, e, querendo ou não, acabam eclipsando os que são realmente bons.... é uma pena. E, sim, esse vale ler ;)

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  4. Eu não faço a mínima ideia de porque gostei de Paperboy. Só sei que gostei, e é basicamente isso. Jack tem de fato uma capacidade de observação apurada, e a crueza da narrativa (colocando coisas razoavelmente constrangedoras) me agradou bastante. Agora, um comentário necessário: que merda é a sinopse que a NC fez? Cadê o romance gótico, hein? Acho que esqueci o que é...

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    1. Hahahaha! Isabel, é bem por aí! E o melhor é esquecer a sinopse....

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  5. Interessante. E tenho que dizer, é bem diferente do que eu esperava. Mas, apesar de imaginar algo diferente, não esmoreceu minha curiosidade pela leitura, talvez, tenha até sido renovada.

    Abraços
    Juan - sempre-lendo.blogspot.com.br/

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    1. Juan, o livro é bem melhor do que esperava que fosse, foi realmente uma grata surpresa.

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  6. Olha, pra falar a verdade eu não tinha me interessado em nada com este livro, nem com o filme. Considerei comentar em alguma outra resenha sua porque não estava com vontade de ler esta, mas resolvi dar uma chance a agora aqui estou eu roendo as unhas pra comprar ele. hahaha! Parabéns. Adoro suas resenhas, sempre.

    Beijos. Tudo Tem Refrão

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  7. Uau!!! Não é sempre que um livro pode ser classificado como "uma experiencia de leitura", quando isso ocorre ele passa de mera leitura para algo único. Curti a resenha, mas muito mais os comentários finais, concordo com suas opiniões em boa escala!

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    1. Pois é, tem livro que marca mesmo, não há como fugir disso, e o melhor é quando eles nos proporcionam levantar questionamentos tão importantes como os tratados no livro.

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  8. Eu terminei de ler esse livro semana passada. Realmente é o que você falou, não tem aquele objetivo que um livro de suspense tem por exemplo, mas a forma escrita e o tom investigativo que o autor deu são realmente incríveis. Eu só achei que faltou alguns nós para serem desatados, mas no mais o livro é bom.
    Procurei ler outras resenhas antes de fazer a minha só pra ter certeza que eu não tava errado =).

    Excelente seu blog!

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    1. André, talvez o melhor tenha sido não desvendar tudo, deixar como acontece em nossas vidas: algo sempre falta.

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  9. Oie,
    Fiquei preocupada com não recomendar esse livro a qualquer leitor, espero ter a carga necessária para apreciar ele tanto quanto você.
    Como sempre suas resenhas são muito convidativas a leitura da obra...\o/...beijokas elis

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    1. Elis, acho que um leitor iniciante terá alguma dificuldade, os demais não ;) Vale tentar!

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  10. Achei interessante o seu ponto de vista com relação a esse livro. A história em si é boa, tenho que admitir. Porém achei que para desenvolvê-la, o escritor (Pete Dexter) enrolou demais. A história poderia ter sido mais direta, na minha opinião, e acho que dessa maneira ela seria mais empolgante. A melhor parte do livro foi o meio, ao contrário da maioria, mas achei o final decepcionante.
    Tiveram realmente muitas pontas para serem atadas, algumas coisas ficaram implícitas, mas outras eu tive que imaginar alguma coisa, pois o escritor as deixou muito vagas. Muitas dessas coisas me deixaram interpretações diferentes das do filme, por exemplo.
    No geral, achei que esse livro é, no máximo, uma nota 6.

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    1. Paloma, eu achei interessante ele ão abordar tudo nem atar todos os nós justamente por estarmos acompanhando a visão de Jack dos fatos: ele não sabe de tudo nem consegue absorver tudo. Seu ponto de vista pode ser frágil por causa disso, mas acredito que esta é, justamente, a intenção.

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  11. Nossa gostei muito da resenha, o nome do livro não tinha me chamado a atenção, mas ao ler a resenha fiquei curiosa em ler o livro. São raros os livros com esse tipo de história, agora quero ler muito esse livro *.*

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  12. Adorei a resenha, mas acredito que o autor deveria ter sido um pouco mais criativo no título do livro....

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  13. Adoro histórias investigativas, e essa parece ter algo a mais. Muito interessante a resenha, acho que vou passar na livraria pra dar uma olhada em Paperboy kkk

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  14. Essa capa me encantou desde o início (obrigada Zac) mas nao sei se gosto desse tipo de história! Espero que sim, pois está na minha meta e espero lê-la esse ano ainda, hehe :)
    https://411dreams.blogspot.com/

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  15. Adoreiiiii. Quero muito ler.

    Jessica Neves

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  16. Gostei dessa coisa de narrativa diferente, meio jornalística. Quero ler.

    Amanda Ribeiro

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