14 de outubro de 2013

Dois Rios, de T. Greenwood [Resenha #147]

Dois Rios - Texto


Sinopse: Harper Montgomery vive ofuscado pela tristeza. Desde a morte de sua mulher, há 12 anos, ele aprisionou-se em uma pequena cidade, Dois Rios, onde todo mundo se conhece, porque ali — justifica-se — poderia criar melhor sua única filha. Atormentado pelo desgosto, Harper prefere esconder-se. Mas a verdade é que a morte de sua mulher é somente um dos motivos de sua dor. Além de sofrer por sua perda, ele se sente culpado por um ato abominável: quando mais jovem foi cúmplice de um crime brutal e sem sentido. Há muito sentimento em jogo quando se trata de sua vida cheia de remorsos... Então, um acidente de trem oferece a Harper a chance de redenção: uma das sobreviventes, uma menina de 15 anos, grávida, precisa de um lugar para ficar, e ele se oferece para levá-la para casa. No entanto, a aparição dessa menina, Maggie, não tem nada de simples acaso, talvez, ela tenha alguma coisa a ver com o crime do qual ele participou um dia...


Já afirmei isso de “Ganhando Meu Pão”, do Górki, mas a partir de hoje serve para “Dois Rios” também: se me perguntarem se é bom, respondo que é lindo. Gostei muito do “Um Mundo Brilhante”, livro da autora também publicado pela Novo Conceito, e que foi uma das minhas melhores leituras do ano passado, então tinha boas expectativas para “Dois Rios”. Qual não é minha alegria ao terminar a leitura e perceber todas elas satisfeitas e com a consciência de que ainda foram além.

Em “Dois Rios” conhecemos Harper Montgomery, um homem melancólico que se sente preso ao trabalho, à cidade em que mora, e a diversos acontecimentos no passado, dentre eles a morte da esposa, que acabara fazendo com que recaísse em seus ombros a pesada responsabilidade de criar sua filha, com a implacável certeza de que, fizesse o que fosse preciso fazer, acabaria decepcionando-a.

Morando em uma pequena cidade, a pacata Dois Rios, ele tenta levar sua vida normalmente, mas se sente assombrado por suas memórias, e, quando um grave acidente de trem acontece, e uma jovem negra grávida entra em sua vida, essas lembranças voltam com força, fazendo-o reviver o passado, e ele se sente cada vez mais preso em uma atmosfera opressora e frente a um futuro incerto, crente de que tudo aquilo advém de seus atos no passado.

O livro é narrado em primeira pessoa, por Harper, o que tornou a leitura bastante agradável. Ele é um bom personagem, um tanto atrapalhado em meio a sua constante “boa intenção” no fazer as coisas, e mesmo nos momentos mais chorosos nem se compara à fraqueza irritante de Ben, protagonista de “Um Mundo Brilhante”. E isso foi uma agradável mudança. Se antes tive dificuldades em criar um laço com seu personagem principal, aqui T. Greenwood me proporcionou uma leitura agradável, guiado por um homem possível, coerente, que, mesmo assombrado pelo passado, sabe o que é a coisa certa a se fazer.

No fundo se percebe um traço de fraqueza em Harper, mas ela advém principalmente do peso em sua consciência, da necessidade de fazer o que é preciso sem se afastar do que acredita ser o correto. Eu simpatizo com esse sentimento, na verdade até me solidarizo com ele.

A autora conduz seu livro de forma impressionante, com uma estrutura que alterna o tempo atual da narrativa – nos mostrando Harper viúvo, lá pelos anos 80, lidando com uma filha pré-adolescente, e com a chegada de Meggie, que encontrara após o acidente do trem – com o tempo passado – onde ficamos sabendo como conhecera sua esposa, e seguimos até o nascimento de Shelly, sua filha – o que faz com que a leitura flua de maneira rápida, deixando o leitor ansioso por saber o que acontecerá no capítulo seguinte. Além disso, existem trechos curtos que encerram as partes nas quais o livro é dividido, e que narra em terceira pessoa fatos passados em 1968, na qual aos poucos vai tomando forma o maior fantasma com o qual Harper tem de lidar, e que ressurge com força quando ele encontra Meggie.

Meggie é uma personagem misteriosa. Uma jovem negra, grávida, portando apenas uma mala e que, ao que tudo indica, sobrevivera ao grave acidente de trem e encontrara Harper por acaso, pedindo sua ajuda afirmando que não pode voltar para sua família, que não aceitava sua gravidez. Harper decide levá-la para sua casa e ajudá-la por um breve período, até que ela possa seguir viagem, mas o faz não somente por ser uma boa pessoa, mas por ela fazer com que se lembre de algo que ele daria tudo para esquecer: o jovem negro que vira morrer anos antes, e que desde então assombrara todos os seus dias.

Daí percebe-se que preconceito racial e direitos civis são temáticas importantes na obra da autora. Em “Um Mundo Brilhante”, o tom da narrativa era dado após a morte de um jovem indígena, onde é deixado claro para o leitor o descaso das autoridades durante a investigação do fato, por puro preconceito étnico. Aqui, em “Dois Rios”, nos trechos que se passam no passado, a autora nos relata as manifestações contrárias à Guerra do Vietnã e a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, na qual a mãe de Harper é engajada e faz daquilo seu projeto de vida, com uma passagem inclusive citando o assassinato de Martin Luther King. O envolvimento de sua mãe é algo que parece desconexo nos primeiros momentos, apenas uma forma de fazer com que sua personagem se mostrasse mais presente, porém assume um grau de importância extremo conforme o tempo passa, com consequências absolutamente inesperadas – e que me arrancaram um sonoro PQP!

E, o melhor de tudo, mais uma vez a autora passa longe da pieguice, trata o assunto de uma forma que o que vemos condiz perfeitamente com os personagens envolvidos, não transparecendo as opiniões dela, como pessoa, o que seria normal, mas desagradável e nada proveitoso para o andamento da narrativa. Não é qualquer autor que consegue falar de preconceito sem deixar transparecer que está levantando uma bandeira. Ela não nos diz o que é certo ou errado, elas nos mostra o que Harper ou outro personagem qualquer acha ou não correto, fazendo-os, inclusive, lidar com suas contradições.

Eu temo que aconteça com T. Greenwood o mesmo que se deu com os livros da Anne Tyler publicados pela Novo Conceito: acabaram se tornando mais um livro em meio a uma enormidade de títulos comerciais que nem de longe guardam as mesmas qualidades que o destas autoras. Perdi as contas de quantas resenhas de “O Começo do Adeus” li e que demonstravam que os resenhistas pouco haviam percebido do que se tratava o livro. E, sim, gosto muito de livros comerciais, mais simples, escritos para vender, e já passei bons momentos com eles. O que quero dizer é que, quando comparados com os demais livros publicados pela editora, as obras de Anne Tyler e T. Greenwood acabam por ficar – em meu conceito – num patamar diferente. São outros quinhentos e eu temo que passem despercebidos ou não sejam apreciados da forma que se deve.

Finda a leitura permaneci com mil questionamentos na cabeça, mas à eles se sobressai um breve sorriso. Acho que as incertezas do futuro tem um peso importante no modo como encaramos a vida – e, em especial (ou pode ser até a mesma coisa, não devem confiar tanto em mim quando gosto demais de um livro!) na forma como respondemos aos eventos que acabam por acontecer. T. Greenwood é mestra em narrá-los, em dissecar personagens, em torná-los humanos, críveis, com tantos defeitos que podem ser odiados. Fechei meu livro ansiando que aquela fosse uma breve despedida, e não um adeus.

 


A Lu Tazinazzo, do aceita um Leite?, fez uma entrevista com a autora, vale muito ler.

 

Dois Rios, de T. Greenwood (Two Rivers, 2009 Tradução de Rafael Gustavo Spigel, 2013) – 448 páginas, ISBN 9788581632773, Editora Novo Conceito. [Comprar no Submarino]

{A+}

 

23 comentários:

  1. Eu li a entrevista da Luciana, e depois dessa sua resenha fico pensando se não deveria dar uma chance a autora... Não sei ainda... T. Greenwood talvez tenha sido prejudicada na minha analise pelas resenhas pouco felizes de seus livros, mas uma autora que é comparada a Anne Tyler - que me é tão... tão... tão querida merece um bônus...

    Enfim, adorei a resenha, adoro seu olhar sobre os livros, e agora preciso descobrir como desconectar desse negócio de "Leu?" aqui em baixo, ele denuncia quantas vezes a gente aparece no blog, isso acaba com nossa privacidade leitora hahah...

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    1. Ah, mas acho que deveria, rsrs. Eu já tinha gostado muito do "Um Mundo Brilhante", então esperava ansioso por mais algum título dela por aqui. Minhas expectativas foram satisfeitas ;)

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  2. livro muito bom
    ja estou seguindo :)
    @livroazuis
    livro-azul.blogspot.com.br

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  3. AI MEU DEUS EU PRECISO DESSE LIVRO NESSE EXATO MINUTO! Eu fiquei na dúvida sobre esse livro por puro medinho infantil: e se a autora não me conquistasse da mesma forma que o fez em Um Mundo Brilhante? Mas estou convencida, mês que vem eu compro esse livro!

    Eu concordo plenamente com o que você colocou sobre T. Greenwood e Anne Tyler. Só li um livro da cada autora, e como gostei mais de Um Mundo Brilhante, arrisco dizer que ela me é um tanto mais querida, mas Anne Tyler tem um espaço muito especial na minha estante.

    Enfim, a questão é que eu penso que elas estão na editora errada. Não é de hoje que algumas coisa na NC têm me desagradado, e esse é o tipo de livro que não deve NUNCA ser imposto a um leitor/resenhista. É o tipo de livro que você tem que decidir por si só que deve ser lido, senão, não funciona, e a gente bem sabe que tem blogueiro por aí lendo livro de má vontade só por jabá. É uma pena.

    E muito obrigada pela menção =)

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    1. Lu, quando puder ler, leia!Eu acho que, de muitas maneiras, ele se sobressai ao "um Mundo Brilhante", o que já é muito bom.

      Eu tenho esse medo, acho que o "Um Mundo Brilhante" e os livros da Tyler sofreram por terem sido lançados na época em que a editora encaminhava aos parceiros todos os lançamentos, daí leitores que não tinham o perfil acabaram lendo.... e desgostando.

      Mas vale muito a pena ler ;)

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  4. Oi, Luciano!
    T.Greenwood tem o dom de construir personagens sem virtudes porém muitos simpáticos :) Gosto de acessar os blogues dela, o Mermada e o the ephemera files para ver seus trabalhos de revisão para outros autores, além do seu trabalho como fotógrafa.
    Li "Um mundo brilhante" por causa de uma lista de livros que você fez no blogue. Lembro que junto com ele comprei "Garota de vidro". Gostei de ambos.
    Boa semana!!
    Beijus,

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    1. Eu gosto muito da escrita dela, tanto o "Um Mundo Brilhante" quanto este foram boas leituras.

      E que bom que gostou das indicações!!!!! Fico muito feliz!!!!

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  5. Oi Luciano,
    Amigo admiro suas resenhas, pois elas são perfeitas...cada vez que leio me orgulho de conhecer esse seu espaço, parece que eu não consigo desenvolver uma análise/resenha que nem você. Eu gostei muito dessa leitura, apesar de mesmo a Betsy tento tratado o Harper mal durante partes do livro, eu a admirei pela decisão que tomou para protegê-lo da guerra.

    Como disse valeu cada minuto da leitura.

    Beijokas Elis - http://amagiareal.blogspot.com.br/

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    1. Oi Elis! Fico feliz que goste! Às vezes a gente passa apertado para resenhar um livro tão bom, mas até que deu ;)

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  6. Outra coisa: vai ter sorteio desse livro, né? DIZ QUE SIM DIZ QUE SIM DIZ QUE SIM DIZ QUE SIM!

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  7. Preciso desse livro! Adorei a resenha :D

    Toda vez que entro aqui e leio uma resenha sua fico mais pobre! rsrs...

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  8. Oi Luciano!
    Eu não curti "Um mundo brilhante", por isso nem me interessei por esse livro quando ele saiu... Mas a sua resenha está me fazendo reconsiderar a leitura!

    Beijos,
    Sora - Meu Jardim de Livros

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    1. Sora, o "Um Mundo Brilhante" dividiu bastante opiniões, eu gostei de ambos e diria até que "Dois Rios" é melhor.

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  9. Olá Luciano,
    Eu despertei a vontade de ler esse livro por um motivo bem diferente, por causa do título. Imaginei que se ele fosse tão perfeito, como a música "Dois Rios" do Skank, eu deveria ler. E agora eu sei que sim. Tá, é um motivo estranho, mas não tive como não assemelhar livro com a música. AHSUAHUAAH

    Lucas - Carpe Liber
    livrosecontos.blgospot.com

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    1. Lucas, interessante essa relação ;) essa música fez um sucesso absurdo quando foi lançada, até eu, que não gosto muito de Skank, a ouvia.

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  10. Ainda não li "Um Mundo Brilhante", mas o farei em breve.
    A sinopse de "Dois Rios" já tinha despertado a minha curiosidade e a sua resenha só fez aumentá-la.
    Já tinha percebido esse problema com os livros da editora... é uma pena que tramas mais profundas passem "batido".

    Visita o meu cantinho e se puder segue, =D

    http://meuhobbyliterario.blogspot.com.br/

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  11. Gosto de livros com críticas sociais, tá aí mais um livro que vai entrar para minha lista de livros a serem lidos =)

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    1. Dâmaris, pelo que pude perceber esse é um ponto que a autora gosta de discutir, e o faz muito bem. Vale ler ; )

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  12. Adorei o tema do livro, vou ler com certeza!

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  13. Um mundo brilhante é um dos meu livros preferidos! Com certeza vou gostar desse também, ótima resenha!

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  14. Capa linda!!!!!!!

    Jessica Neves

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Oscar