3 de março de 2014

Brooklyn, de Colm Tóibín [Resenha #161]

Brooklyn - Texto


Sinopse: No início dos anos 1950, a Irlanda não oferece futuro para jovens como Eilis Lacey. Sem encontrar emprego, ela vive na pequena Enniscorthy com a mãe viúva e a irmã Rose. Mas eis que o padre Flood lhe faz uma oferta de trabalho e moradia no Brooklyn, Estados Unidos. De início apavorada com a ideia de sair do ninho familiar, ela acaba partindo rumo à América. Triste e solitária em seu novo mundo, a tímida Eilis acaba por estabelecer uma rotina de trabalho diurno e estudo noturno na faculdade de contabilidade. No baile semanal da paróquia, conhece um jovem de origem italiana que aos poucos entra em sua vida. Mas quando começa a se sentir mais livre e segura, Eilis é obrigada a voltar, por algumas semanas, para Enniscorthy. E ali ela se vê, mais uma vez, diante de uma escolha que poderá modificar sua vida.


Brooklyn foi uma grata surpresa. Não conhecia o autor irlandês Colm Tóibín e hoje me pergunto as razões disso... O que importa é que Brooklyn me trouxe uma boa experiência, que espero conseguir recontar nesta resenha.

Eilis é a filha caçula de uma família irlandesa, e, nos idos dos anos 50, não consegue um bom trabalho em sua cidade natal, Enniscorthy, motivo pelo qual seus irmãos mais velhos já haviam partido em busca de oportunidades de trabalho na Inglaterra, deixando em casa apenas Eilis, sua irmã, Rose, e a mãe, viúva.

No começo do livro vai nos sendo mostrado como a partida dos irmãos afetam o ambiente doméstico, como a saudade e a preocupação se fundem com a ciência de que os meninos fizeram o que era preciso, e pouco se poderia fazer pelo contrário, já que a Irlanda não conseguia prover seus jovens com bons empregos, então não havia outra alternativa. Mas Eilis percebia o sofrimento da mãe, que tentava se mostrar forte, o que fazia com que ela própria sentisse uma necessidade urgente de conseguir um emprego para poder ajudar nas contas de casa.

Ela consegue uma colocação em uma loja da cidade, mas a proprietária tem um gênio extremamente forte, trata a todos com desdém – inclusive alguns clientes que ela considera “sortudos” por terem a oportunidade de comprarem seus produtos – o que faz com que Eilis se sinta descontente e comente isso em casa. O que de certa forma abre espaço para que um padre norte-americano conhecido de sua irmã Rose e que os faz uma visita, lhe ofereça um emprego na América, onde, inclusive, ela poderia estudar para obter uma qualificação melhor, como a de contadora, que é o que deseja – minha colega de profissão!

Acredito que aqui começa a narrativa propriamente dita, com Eilis considerando o que fazer, e presa ao dilema que é o fato de que precisa encontrar um bom emprego ao mesmo tempo que reconhece que não é justo deixar a mãe, que já sente tanto a ausência dos irmãos. Apoiada por Rose ela decide ir, e todos fingem que esta não é uma mudança tão grande.

Rose é uma personagem que ofusca Eilis em muitos momentos. Enquanto sua irmã é uma moça comum, Rose é descrita – e sob a forma como Eilis a vê – uma mulher carismática, que sabe imprimir sua marca e se fazer sentir presente em qualquer lugar onde esteja, de bom coração e um sorriso fácil, mas sincero. Ao partir, Eilis se pergunta se a irmã tinha consciência de que, conseguindo para ela um emprego na América, tinha deixado de lado e aberto mão da possibilidade de se casar, pois alguém teria de cuidar da mãe quando ela ficasse mais velha, e que esse fora um ato de extrema humildade. No decorrer do livro entendemos melhor essa atitude de Rose.

Gostei bastante da forma como foi abordada a rotina de Eilis no Brooklyn, com sua chegada após uma terrível viagem de barco, e sua adaptação em um novo emprego, morando em uma casa de pensão e tendo de encarar uma série de situações e comportamentos que um tanto diferiam do que estava acostumada na Irlanda, como a liberdade sexual – mesmo das mulheres – e a presença de negros conquistando um espaço maior na sociedade, embora todas estas mudanças estivessem ainda sendo vistas com bastante desconfiança por boa parte da população.

Eilis vai trabalhar em um a loja de departamentos, e, enquanto ela se sente bem estando ocupada no trabalho, os momentos em que chega em casa e vai para o seu quarto – que é melhor que a companhia das outras moças da pensão, cada uma pior que a outra em certo aspecto – lhe bate o desespero, a saudade, e a vontade de gritar e desistir de tudo e voltar para casa.

O livro é narrado em terceira pessoa, mas o autor tem uma maneira interessante de nos contar a história de Eilis: ele é econômico, em diversos momentos tem-se a impressão de que ele está mais enumerando fatos que narrando uma história em si, do tipo “ela foi trabalhar, aconteceu isso; ela voltou para a casa, aconteceu aquilo”. Isso não me desagradou de todo – ah, eu prezo a agilidade – mas em alguns momentos senti falta de algo mais elaborado, que se aprofundasse mais em algumas situações.

Como na travessia de Eilis para a América, onde tudo é narrado em poucas páginas, e acredito, que pelo sofrimento, e também para ser justo com as personagens que ela encontra, poderia ter sido mais explorada. Outro bom exemplo é quando o narrador nos informa que ela visitará alguém, mas, no meio do caminho, dá prosseguimento à narrativa do livro e começa a contar outro fato que ocorrera após o encontro, sem tê-lo narrado por completo. Isso dá uma boa quebrada no ritmo em alguns momentos.

Mas no geral gostei bastante: Eilis não fica muito tempo presa ao seu acanhamento e espanto sobre o que acontece, há um mundo novo lá fora, com oportunidades de educação, trabalho e romances. Ela tem de viver e aprender a lidar com todas as situações que lhe surgem, assim como tomar decisões difíceis, fazer escolhas, e lidar com um imprevisto enorme, que faz com que ela tenha que voltar à casa de sua mãe, tendo de decidir após isso se o retorno é temporário ou não.

O livro é curto e a leitura é rápida. O autor sabe como nos manter interessados por sua protagonista, e a narrativa em terceira pessoa nos permite imaginar mais do que se estivéssemos sendo postos a par de tudo por Eilis, apesar dos pequenos estranhamentos pelo caminho. O final é um tanto aberto e previ um cenário bastante inusitado para Eilis. Mal posso esperar para ler algo mais do autor.

 

Brooklyn, de Colm Tóibín (Brooklyn, 2009 Tradução de Rubens Figueiredo, 2011). 304 páginas, ISBN 9788535918281 Editora Companhia das Letras.

{A-}

9 comentários:

  1. Sabe do que eu sinto falta hoje, como leitora, Luciano? Sinto falta da biblioteca. De andar pelos corredores vendo os livros desconhecidos, contemplar a face dele e me deixar convencer ou não por eles. Foi assim que conheci muitos dos autores que fazem parte de minha vida. Acho que hoje nós não nos encontramos com tanta facilidade com autores diferentes porque nossa busca fica limitada por alguns hiperativos da vida moderna sabe?!?! Lançamentos, clássicos... e os livros que não são nem lançamentos nem clássicos, como vamos conhece-los?

    A parte meu devaneio estranho motivado pelo inicio da resenha "Não conhecia o autor irlandês Colm Tóibín e hoje me pergunto as razões disso... " Porque eu também me pergunto porque não conheço certos autores...

    A parte isso [2], eu fiquei interessada no livro especialmente porque você disse que o autor é sintético na sua narrativa, hoje percebo que os autores são tão minuciosos em sua narrativa que deixam pouco para nossa imaginação, se tornam prolixos [sei que sou prolixa, mas...] e nos deixam preguiçosos para pensar por conta própria e especular sobre a história, sobre os personagens ou infantilizam nossa capacidade de pensar.

    "Brooklyn" caiu em minhas graças. Obrigada por compartilhar... não tenho mais a biblioteca [por falta de tempo ou por negligencia do estado], mas ao menos tenho companheiros de virtualidade que saem do obvio e trazem a baila bons textos néh?!?!

    Cheros, Jaci.

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    1. Jaci, interessante isso, e é bem verdade! Visitar bibliotecas nos permite conhecer novos autores e darmos uma chance para o livro - como você disse - pessoalmente há um bom tempo que não vou a uma para pegar algo emprestado, e isso faz mesmo falta. Quando na adolescência eu apostava bastante nas antologias de contos, que é também uma boa maneira de se conhecer novos autores, e saia delas com dois ou três nomes que muito me interessavam.

      Hoje em dia não faço mais isso, falta tempo, sobra cansaço, o que é uma pena. Mas as pessoas também parecem cada vez mais ligadas no que está na moda, há algum tempo recebi um comentário em que a pessoa dizia que eu só lia livro velho, e, mais recentemente, no Censo do blog, responderam que, no passado, tinham dificuldades em comentar no blog porque eu lia "coisas situadas fora do mapa". Entendi as duas declarações como elogios, mas só porque eu posso ser teimoso às vezes.

      Se puder ler algo do Tóibín faça! A Companhia tem três ou quatro livros deles publicados, de minha parte também vou correr atrás destes.

      Dois abraços - e comentário grande é o que há!

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  2. Oi, Luciano!
    Talvez essas quebradas na narrativa seja justamente para dar vazão a imaginação do leitor.
    Do autor, li "O testamento de Maria", um livro que provocou a ira dos católicos irlandeses e protestos em Nova Iorque quando o livro estreiou como peça teatral na Broadway. O livro é uma viagem e vale a pena, pois trata a mãe de Jesus como uma pessoa não tão forte e ausente da história como mostra na bíblia.
    Outro livro foi "O Mestre", em que Henry James narra 5 anos de sua vida como expatriado. Ele recorda diversas perdas e foi interessante Colm Tóibín "incorporar" Henry James.
    Ainda não tinha lido nada sobre Brooklyn. Vou conferir!
    Beijus,

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    1. Luma, eu não conhecia o autor, mas para uma primeira leitura me dei muito bem ;) Apesar de gostar de textos mais abertos, senti falta de um algo a mais em algumas situações... mas vale a pena ler ;)

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  3. Não é o tipo de livro que me chamaria atenção numa livraria - aliás, é a primeira vez que leio qualquer coisa sobre ele - mas sua resenha me deixou mais curiosa. Eu acho que, como a Jaci disse, as bibliotecas deveriam ser mais populares, porque podemos nos arriscar em outros livros e autores além daqueles do senso comum, mas sem perder muito caso dê tudo errado - no caso, dinheiro.

    O problema é que você vai nas poucas bibliotecas disponíveis, e só encontra clássicos, que muitas vezes já foram lidos ou não causam tanto impacto.

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    1. Concordo que as bibliotecas vem se tornando cada vez mais desinteressantes, e, também, o acesso aos livros está mais fácil a cada dia - nos meus tempos de colégio sequer sonhava em comprar um livro por 9,90, por exemplo.

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  4. Um romance diferente do que eu estava imaginando. Pensei que a narrativa fosse enfadonha. Mais pelo que vi é bem empolgante. A história que você apresenta sobre a personagem e sua vida me deixou bastante intrigada e interessada. Foi muito bom conhecer este livro. Não esperava gostar tanto assim. Beijos.

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  5. Sinceramente? Não me animei a ler o livro. Ele me parece "parado" sem uma história empolgante. Há tantos lançamentos bons no mercado que dificilmente pararia para lê-lo.

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Oscar