16 de junho de 2014

A Filha do Louco, de Megan Shepherd [Resenha #174]

A Filha do Louco - texto


Sinopse: Juliet Moreau construiu sua vida em Londres trabalhando como arrumadeira - e tentando se esquecer do escândalo que arruinou sua reputação e a de sua mãe, afinal ninguém conseguira provar que seu pai, o Dr. Moreau, fora realmente o autor daquelas sinistras experiências envolvendo seres humanos e animais. De qualquer forma, seu pai e sua mãe estavam mortos agora, portanto, os boatos e as intrigas da sociedade londrina não poderiam mais afetá- la... Mas, então, ela descobre que o Dr. Moreau continua vivo, exilado em uma remota ilha tropical e, provavelmente, fazendo suas trágicas experiências. Acompanhada por Montgomery, o belo e jovem assistente do cirurgião, e Edward, um enigmático náufrago, Juliet viaja até a ilha para descobrir até onde são verdadeiras as acusações que apontam para sua família.


Estou feliz escrevendo esta resenha. Quando recebi o “A Filha do Louco” da Editora Novo Conceito eu até me senti atraído pelo título e pela capa – já sabem, não leio sinopses – mas acabei deixando a leitura pra depois. E acho que foi uma coisa sábia. Agora, aproveitando a onda de feriados e pontos facultativos pude me dedicar ao livro. E que bela surpresa ele me saiu!

Nele conhecemos Juliet, uma adolescente que trabalha como faxineira no departamento de medicina de uma universidade em Londres, em uma função que jamais imaginara que teria de desempenhar. Ela é filha do renomado cirurgião, para muitos o melhor de todo o país, Henri Moreau, e crescera em uma enorme propriedade, sem ter de se preocupar com nada. Até que acontece um escândalo acerca das pesquisas médicas de seu pai, ele desparece e é dado como morto, e, como passa a ser considerado um criminoso, tem seus bens confiscados, deixando sua esposa e sua filha na rua.

Não demora muito e mãe e filha percebem que as portas da sociedade londrina estão fechadas para elas. As mesmas pessoas que se refestelavam em jantares e festas na casa da família Moreau, agora não mais os recebiam, e se recusavam a dar-lhes qualquer tipo de ajuda, o que acaba fazendo com que a mãe de Juliet se dispa de seus pudores, e faça o que é preciso para dar a filha um lar. Anos depois, órfã de mãe e, provavelmente, também de pai, um antigo colega de universidade do Dr. Moreau fica sabendo das dificuldades pelas quais Juliet passa, e consegue para ela um emprego na universidade, mas quando ficam sabendo que ela é filha do tal doutor acabam lhe dando apenas com o cargo de faxineira.

Henri Moreau. Se o sobrenome é vagamente conhecido por você, não se engane. O “A Filha do Louco” se baseia na história do Dr. Moreau, personagem do clássico “A Ilha do Dr. Moreau” escrito por H.G. Wells, célebre autor de ficção científica, mais conhecido por livros como “A Guerra dos Mundos” e “A Máquina do Tempo”. Não li o “A ilha”, mais o nome Moreau faz parte do inconsciente coletivo, então é natural que se faça alguma conexão ou que deixe em quem o lê uma sensação de reconhecimento, mas não sei dizer até que ponto as narrativas se aproximam ou o quanto diferem uma da outra.

Ok. Juliet trabalha como faxineira, mora em uma pensão para moças, e tem de encarar um médico tarado que insiste em lhe “ensinar a ser mulher”. Ela sabe que a situação é insustentável, mas não há muito o que possa fazer, já que precisa do emprego para viver, e para comprar um medicamento formulado por seu pai que ela tem de tomar diariamente, já que sofre de uma condição médica semelhante à diabetes. Mas as coisas mudam quando ela se depara com um esquema médico representando um animal, e o reconhece. Pertencera a seu pai.

Por ser mulher, Juliet era considerada pelo pai inapta às ciências, com ele preferindo instruir e ter como assistente Montgomery, um jovem filho da criada da família por quem Juliet tem uma afeição sincera. A amizade faz com que, às escondidas, Montgomery transmita à ela tudo o que seu pai lhe ensina, por isso ela consegue reconhecer com facilidade o diagrama como pertencente ao Dr. Moreau. E ela se pergunta, mais do que nunca, se ele estaria vivo, e, se sim, se era o monstro que diziam, e por quais razões não a procurara?

Em um gesto desesperado em busca da verdade, ela reencontra Montgomery, vivo, acompanhado de um estranho homem, deformado, que lhe assusta, mas tem modos inofensivos. Fica sabendo também que seu pai está vivo, recluso em uma ilha.

Enquanto o começo da narrativa se dá em Londres do século XIX, a autora investe pesado no clima úmido e nevoado, dando à cidade uma atmosfera densa, escura, que normalmente já é associada com a cidade, ainda mais na época em que o desenrolar do livro se passa. Quando acontece à mudança, e Juliet tem de fugir para ir em busca do seu pai, ela ruma para uma ilha tropical, onde sol, calor, e cores vibrantes fazem parte da paisagem, ela até destaca em certo momento “ouvir o canto de pássaros que ela jamais ouvira antes”. É difícil que um autor consiga descrever dois ambientes tão distintos de forma igualmente satisfatórias. Megan Shepherd conseguiu isso com mérito. E não se enganem quanto à profusão de sons e cores da ilha: nos momentos de tensão, ela é tão sufocante e amedrontadora quanto se a ação se passasse inteiramente na cinzenta Londres.

A ilha, remota, com uma vegetação hostil e seres desconhecidos, tem uma ambientação perfeita para doses de suspense e mistério. Como Juliet é uma personagem bastante confusa no que diz respeito à sua relação com seu pai e no que ela mesmo acha de si – em alguns momentos ela tem uma auto-estima super baixa, em outros tá seduzindo o vento – ela fica bastante perdida frente aos acontecimentos. E não é mesmo fácil ter um pai com uma moral tão deturpada e um ego tão grande quanto o Dr. Moreau. Em diversos momentos ela tem simplesmente de fugir do que está ao seu redor, então corre desesperadamente rumo à selva enquanto sabe em seu íntimo que não pode fugir do que ela é, a filha do louco, e ela se sente horrorizada quando se pega intimamente admirando a obra do pai e sua genialidade.

Nas passagens em que fica perdida em meio à selva, a autora imprime no leitor um ritmo de leitura diferente – todo o livro é narrado em primeira pessoa – que trás uma sensação opressora, um incômodo, a famosa sensação de estar sendo observado; e eu me surpreendi muito com isso pois não esperava encontrar nada parecido no livro.

Eu fiquei com a sensação de que o livro foi muito bem executado. Ao que se propôs, a autora se saiu muito bem. Existem mistérios o suficiente e revelações e reviravoltas que me mantiveram interessados o tempo todo em saber o que aconteceria a seguir. Fiquei positivamente surpreso com o que encontrei. E já falei isso em uma outra resenha, mas é incrível o quanto fluem sem problema algum comigo os livros traduzidos pelo Ivar Panazzolo Júnior. Sério, dois abraços pra ele.

Agora, não tenho certeza, mas me parece que o livro faz parte de uma série. Bom, eu tenho comigo que ele é fechado o suficiente para ser encarado como volume único, mas a autora soube me cativar, e principalmente me intrigar com o que acontece com Juliet. Se tiver realmente uma continuação eu a leio sem problemas. Em um mundo perfeito, por sinal, Juliet seguiria os passos do pai ;)

 

A Filha do Louco, de Megan Shepherd (The Madman’s Daughter, 2013 Tradução de Ivar Panazzolo Júnior, 2014) – 416 páginas, ISBN 9788581631547, Editora Novo Conceito. [Comprar no Submarino]

{B+}

 

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18 comentários:

  1. A proposta parece interessante. Eu gosto quando autores brincam com nosso imaginário envolvendo personagens clássicos em outras histórias, mas de forma indireta. Só a capa do livro que não me agrada, me deixa com uma impressão de livro "pobre", podia ter um trabalhinho melhor aí.

    Abraços!

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    1. E foi bem executada! Claro que a autora não consegue se desvencilhar de alguns vícios - triângulo amoroso, mocinha confusa - mas no todo eu gostei bastante. Sabe que eu gostei da capa, ao menos não mostra o rosto da personagem ;)

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  2. Acredita que eu li essa resenha pelo celular em um ônibus lotado e em pé?!?! Pois é, precisava de distração urgente para não pensar, então obrigada ai pela força nas segundas Luciano.

    A parte isso, acho que se você sabe, desconfia que suspense não é meu forte néh?!? Então eu perigo passar bem longe desse livro... Sou uma criatura meio assustadiça e me angustio com facilidade ai fujo de tramas assim, mas gostei de saber que essa é uma história com protagonista inteligente e instigante, vale muito a pena ver algo assim na literatura, algo no qual a protagonista tenha algo mais a fazer que arrumar um carinha para ter um romance com cenas de sexo descritas com densidade maior do que a que Clifford Geertz usou em "A interpretação das culturas" para descrever uma luta de galos.

    Cheros Luciano, dois abraços...

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    1. Ah!, que bom que ela serviu pra te desafogar!! Segunda-feira é um dia tenso.

      Olha, o livro tem uma parte romance interessante e com desdobramentos bem imprevistos.... vale a pena acompanhar ;)

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  3. Menino! Sabe no cenário de RPG Ravenloft tem a Ilha do Dr. Moreau? E sabe que eu já passei lá uma aventura? E sabe que eu assustei um monte desses bichos gente com uma flauta mágica??? =)

    Meus amigos do RPG vão ficar felizes em saber da existência desse livro... =)

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    1. Caramba! Que bacana! Eu ainda tenho que ler o original do HG Wells para ver como é que é, mas até que a Megan Shepherd construiu um bom livro.

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  4. Desde o lançamento estou louca para ler esse livro. Adoro releituras de clássicos e essa parece ser excelente. A capa é muito bonita.

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    1. Monica, eu também gosto muito da capa, e o livro é bom, está é uma releitura competente.

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  5. Ganhei este livro faz pouco tempo e não tive oportunidade de ler ainda, pois tem uns dois na frente dele. Mais acho que vou passar a frente e averiguar os fatos que você tão bem colocou aqui. Adorei de verdade. Beijos.

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  6. Este livro não tinha me chamado a atenção até ler sua resenha. Conseguiu me deixar com aquela pulguinha atrás da orelha de "será que merece uma chance?". Sua escrita é de ótima qualidade, dá o tom do suspense sem ficar dando spoiler como muitos fazem pela blogosfera. Parabéns!

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    1. Fabíola, merece sim! O livro é bem escrito e tem uma narrativa envolvente, vale a pena ler ;)

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  7. Quando o livro foi lançado nao dei muita atenção, por conta da capa entao nem cheguei a ler a sinopse. Mas gostei da trama que há nele, me pareceu sem muito boa, porem essa capa ta feia pra dana. Enfim espero poder ler em breve pois gostei da historia.

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    1. Jessica, e eu gostei justamente da capa! Rsrsrsrs, vai entender. O livro é bem escrito e envolvente, vale a pena dar uma chance à ele!

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  8. Resenha incrível! Fiquei com vontade de ler!

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  9. Estou louca por esse livro e essa resenha me instigou demais <3

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  10. Adorei a resenha! Tenho muita vontade de ler este livro também, o enredo parece ser ótimo, me deixou curiosa. Gosto muito de estórias cheias de mistérios e reviravoltas que prendem o leitor, e adorei saber que a autora soube executar o que propôs. Pelo seu comentário sobre o fato de não necessitar de continuação, parece então que o livro não deixou pontas soltas. Está na minha lista!
    beijos

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  11. Oi Luciano, boa tarde :) Estava navegando por algumas resenhas de livros que eu traduzi e me deparei com o seu comentário sobre como as minhas traduções fluem bem contigo. Cara, isso valeu a minha semana inteira! Dois abraços para você também, e sucesso com o blog! :D

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