21 de julho de 2014

Lugar Nenhum, de Neil Gaiman [Resenha #179]

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Sinopse: Em 'Lugar Nenhum' Neil Gaiman conta a história de Richard Mayhew, um jovem escocês que vive uma vida normal em Londres. Tem um bom emprego e vai se casar com a mulher ideal. Uma noite, porém, ele encontra na rua uma misteriosa garota ferida e decide socorrê-la. Depois disso, parecer ter se tornado invisível para todas as outras pessoas. As poucas que notam sua presença não conseguem lembrar exatamente quem ele é. Sem emprego, noiva ou apartamento, é como se Richard não existisse mais. Pelo menos não nessa Londres. Sim, porque existe uma outra - a Londres-de-Baixo. Constituída de uma espécie de labirinto subterrâneo, entre canais de esgoto e estações de metrô abandonadas, essa outra Londres é povoada por monstros, monges, assassinos, nobres, párias e decaídos - e é para lá que Richard vai.

Lugar Nenhum é o primeiro romance de Neil Gaiman, autor dos best-sellers Deuses Americanos (Conrad, 2004) e Filhos de Anansi (Conrad, 2006), e criador da revolucionária série de quadrinhos Sandman. Concebida originalmente como série de TV em seis capítulos, Lugar Nenhum foi transmitida pela rede inglesa BBC. A transformação em romance resultou em sucesso imediato, conduzindo a obra às listas de best-sellers do Los Angeles Times e do San Francisco Chronicle, entre outras.


Gaiman não é uma unanimidade mas, ao meu ver, é um dos autores que mais se aproximam disso. Uma menção ao seu nome trás uma fascinação ímpar, gera um interesse genuíno, e reações apaixonadas. É claro, eu posso estar redondamente enganado, mas, sinceramente, é o que me parece.

Já faz um tempo então não me lembro ao certo – e talvez nem importe – se o conheci através de alguns contos de algum volume do “Coisas Frágeis” ou lendo o “Coraline”. Tenho uma lembrança mais vívida desse último, ele mexeu comigo e ali a narrativa do autor teve um impacto decisivo sobre mim, mas não sem que antes eu tivesse de aprender a lidar com ela. Terminei um admirador sincero do autor, mas fiquei um bom tempo sem ler nada dele.

Acho que, em um mundo justo, eu mereço um processo por negligenciar os autores de quem gosto muito. Não consigo me desprender de um sentimento de insegurança e de um medo de começar um novo livro, acompanhar uma nova história desse autor e deixar que, mais uma vez, ele me surpreenda. Gaiman sofreu com isso, e, numa medida muito maior, Ray Bradbury, um dos autores que mais gosto no mundo, e de quem, há um bom tempo, tento ler o “Licor de Dente de Leão”, mas sempre recuo. O que há no medo que nos faz recuar?

Em parte é a essa pergunta que a jornada de Richard Mayhew, nosso protagonista em “Lugar Nenhum” vai responder. Mas talvez o correto mesmo seria dizer que ela vai mostrar a ele o que é o medo e como superá-lo, o que lhe dará embasamento o suficiente para comparar sua vida antes e depois dos eventos narrados no livro.

Richard é um jovem escocês que trabalha em Londres, namora uma bela moça, mas acha tudo ao seu redor demasiadamente chato, moroso e tão cinza quanto a cidade em que ele mora. Em uma noite, ele está indo jantar com sua noiva quando, do nada, surge diante deles uma jovem ferida, e ele decide ajudá-la – por mais que eu não saiba o quanto ele quis ser genuinamente bom ou apenas fugir de um jantar entediante com o patrão de sua noiva, um magnata do ramo de comunicações que ela diz ser imprescindível que ele impressione, a fim de alavancar a carreira de ambos.

Ele pega a moça no colo e, a pedido dela, a leva para seu apartamento e não para o hospital, pois ela lhe garantira que ficaria bem. Pouco tempo depois, descobrimos que ela se chama Door, e ela dá à Richard uma pequena missão, encontrar o Marquês de Carabás. A situação é inusitada demais, mas esse é um Gaiman de patente alta, então ele faz o que ela pede.

O que ele não sabe é que, o contato com aquelas figuras, Door, o Marquês, ratos que falam ratês e afins, acabariam por desligá-lo do nosso mundo, ou, como é tratado no livro, da Londres de Cima, e ele passa a perceber então que faz parte de uma “realidade alternativa”, a Londres de Baixo, aquela que segue sua rotina paralelamente à de cima, e, mais importante, dá vazão à imaginação mais perturbada, conectando tempo e espaço de uma forma completamente diferente do usual.

Richard não tem mais um emprego, seus amigos não o reconhecem, e sua noiva parece apenas se lembrar remotamente dele – como um sujeito que a gente vê repetidas vezes em um ônibus que sempre tomamos. Em suma, na Londres de Cima ele é só um espectro.

É na Londres de Baixo e com seus personagens que a narrativa se desenvolve, e é entre esgotos, tuneis e estações de metrô abandonadas que Richard trava conhecimento com as mais variadas figuras, e fica sabendo da missão de Door, vingar sua família que fora morta por uma dupla de assassinos, e ajudar ela nessa busca – ao mesmo tempo em que procura ele mesmo uma forma de voltar “para cima”.

E Door, dos personagens, é uma das figuras interessantes, mas que eu queria que tivesse uma participação mais ativa em todos os acontecimentos. Ela é pertencente à uma importante família da Londres de Baixo e se destacam por terem o poder de abrir coisas: portas, objetos e afins, mas eu achei que ela fica por tempo demais presa às dúvidas, à uma insegurança com raros lampejos de ousadia e atitude, como seria de esperar de uma pessoa que é tratada por todos como Lady Door.

Mas, ao menos, ela não é como Richard. Pra resumir ele é como o Eric, da Caverna do Dragão: reclama de tudo e só fica repetindo que quer voltar pra casa. Ele constantemente soa infantil e mimado e puramente chato; só não desisti dele por completo por que somos constantemente lembrados, pelos rumos da narrativa e pelas provações que ele está passando, que isso tudo faz parte de sua jornada, para, quem sabe, ao final dela, surgir uma pessoa melhor.

Meus preferidos certamente são os misteriosos Marquês de Carabas, sujeito convencido e arrogante, mas de palavra, que sabe o peso das promessas e, em especial, do valor que tem “um favor”. E também Hunter, mas deste não vou falar, ele é uma grata surpresa, no começo, então espero que se surpreendam.

A narrativa transcorre em terceira pessoa sem grandes percalços. Gaiman é sujeito esperto e sabe descrever muito bem os subterrâneos de Londres e seus moradores, de tal forma que por diversas vezes me vi torcer o nariz para as descrições de esgotos e sujeira, em especial nos perseguidores de Door, Croup e Vandemar, repugnantes assassinos tão antigos quanto a discórdia. E o livro é uma coleção de passagens e personagens distintos e marcantes demais, a todo momento há algo a que se observar, o leitor praticamente não tem momentos de tédio.

Agora, se eu gostei do meu reencontro com Gaiman? Gostei, não ouvi aquele estalo que diz que o que tenho à minha frente é algo extremamente foda, mas ele me convenceu de que o que tinha ali era bem mais do que costumeiramente recebo de livros que gosto. A gente não precisa pensar muito, ao final de uma leitura, pra descobrir se aquele é um bom livro, e o final do livro é digno e acredito que dez em dez leitores torciam por ele. E fica uma observação: com tantos livros virando séries sem merecer, por que raios o Tio Gaiman ainda não se mexeu para nos oferecer um pouco mais da Londres de Baixo?

 

Lugar Nenhum, de Neil Gaiman (Neverwhere, 1996 Tradução de Juliana Lemos, 2007) – 336 páginas, ISBN 9788576162650, Editora Conrad. [COMPRAR NO SUBMARINO]

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9 comentários:

  1. "Lugar Nenhum" não é meu Gaiman favorito, mas eu gosto muito dele, gosto de como Gaiman mete um sujeito comum em uma bela aventura, gosto de como ele trabalha com o cenário urbano de uma cidade velha como Londres e esse livro me faz olhar de forma diferente para Recife e pensar 'e se... coisas assim acontecem aqui... poderiam não é.... essa cidade também é velha e cheia de mistérios...".

    Enfim, que bom que você gostou do livro Luciano, é aquela coisa, quando alguém gosta de um autor que amamos é como se gostasse um pouco da gente também por consequência!!! :)

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    1. Ah, mas então eu fico feliz em saber que as coisas melhoram nos outros livros! Se já gostei desse tenho tudo pra gostar ainda mais dos outros ;)

      Hahahaha! Todos nos gostamos ;) Dois abraços!

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  2. MEU COMENTÁRIO SUMIU =( Vou de novo

    Que bom que você curtiu! Eu concordo com sua resenha e Lugar Nenhum também não é meu Gaiman favorito, mas tenho muito carinho por ele, pois foi o primeiro romance do autor que li.

    Eu acho que a Londres de Baixo merecia outras sagas, mas com outros personagens. Acho que, mesmo a família da Door, por exemplo, que nem aparece, não deveria ganhar um prequel. Esses personagens já têm sua história e acho que qualquer outra abordagem poderia estragar algo que é muito mágico. Porém, o cenário é um personagem à parte, então merecia mesmo, outras histórias.

    Fico muito feliz que você gostou do livro. Eu insisto tanto no Gaiman que, se você não tivesse gostado, eu me sentiria genuinamente culpada e triste ahahahaha

    Abraços!

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    1. Lu, então, que bom que os outros livros são ainda melhores!

      Olha, eu confesso que gostaria de acompanhar Door e Richard mais um pouco, ver como se saem, seria interessante, mas, sim, também poderia ser altamente frustrante.

      Dois abraços!

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  3. Oi, Lu!
    Achei linda a capa desse livro e foi a primeira coisa que me atraiu. Quase desisti de ler porque a leitura se arrastou até mais ou menos a metade, da metade do livro. Depois a leitura deslanchou. Mesmo assim, não achei a história tão surpreendente quanto poderia ser, considerando a quantidade e o nível das reviravoltas que existem na trama. Quando os fatos decisivos se aproximavam, o autor já dava pistas que levavam o leitor mais atento a deduzir o que aconteceria mais à frente. E isso me frustrou. Faltou também um desfecho decente para Hunter, já que o fim da história dela ficou um tanto no ar. Na mesma ocasião comprei "Os Filhos de Anansi" e não se se pela impressão que tive do primeiro que li, esse tem sido colocado para escanteio...
    Beijus,

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    1. Luma, a capa é linda demais mesmo! Olha, eu gostei, mas faltou alguma coisa, não foi desta vez que ouvi um estalo dizendo que aquele era O livro que me faria amar o Gaiman incondicionalmente. Quero ler algo mais dele, mas não por agora......

      Beijos!

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  4. Que linda resenha!!
    Primeira resenha na verdade que leio deste livro. Achei bem interessante mesmo, e por que não dizer, diferente do que vejo por aí em se tratando do autor.
    Preciso conhecer esse Marquês agora!!
    Rsrsrs

    Bjks

    Lelê - http://topensandoemler.blogspot.com.br/

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    1. Lelê, e dizem que este nem é o melhor dele - o que é ótimo: se esse já é bom, fico imaginando os outros!

      ;)

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  5. Luciano, interessante sua resenha sobre Lugar Nenhum, o que me leva a crer que o romance também seja interessante.

    Gosto até bastante do Gaiman, mas atualmente estou me dedicando a Sandman (já estou no quarto volume) e, sinceramente? Decepcionada. Porém entendo perfeitamente o porquê de ser uma obra cultuada, e tal. Farei um vídeo quando acabar a série, falando das minhas impressões gerais.

    E sabe esse torcer de nariz que você citou? Gaiman adora fazer a gente torcer o nariz, hein, impressionante rs só que em Sandman tô achando isso excessivo, apelação demais; violência crua e grossa, repetida sempre que dá. Assim é fácil fazer alguém se impactar, a meu ver. E é isso que ele faz em Sandman in-tei-ro. rs

    A propósito, já leu a tal série dele?

    Abraços!

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