28 de outubro de 2014

Ratos e Homens, de John Steinbeck [ #SawyerRC ] [Resenha #193]

Ratos e Homens - Texto


Sinopse: George e Lennie são dois amigos bem diferentes entre si. George é baixo e franzino, porém astuto, e Lennie é grandalhão, uma verdadeira fortaleza humana, mas com a inteligência de uma criança. Só o que os une é a amizade e a posição de marginalizados pelo sistema, o fato de serem homens sem nada na vida, sequer família, que trabalham fazendo bicos em fazendas da Califórnia durante a recessão econômica americana da década de 30. Ganham pouco mais do que comida e moradia. No caminho, encontram outros sujeitos pobres e explorados, mas também situações que colocam em risco a sua miserável e humilde existência. Em Ratos e homens, Steinbeck levou à maestria sua capacidade de compor personagens tão cativantes quanto realistas e de, ao contar uma história específica, falar de sentimentos comuns a todos seres humanos, como a solidão e a ânsia por uma vida digna.


Já fazem uns bons anos desde que tive minha primeira experiência com Steinbeck. Estava no colegial e o senso apurado da bibliotecária da escola, na época, me guiava com precisão na descoberta de novos autores. Mais ou menos na mesma época ela me apresentou Hemingway, Allende e Bronte – a Charlotte.

O exemplar de “As Vinhas da Ira” estava já um tanto roto, e, confesso, não fosse uma indicação, dificilmente o escolheria para ler. A leitura foi um choque. Não me lembro de ter lido algo tão desesperançado em toda minha vida, o narrador denotava a fome, o desemprego, o êxodo e o desespero com cores tão fortes que hoje, à distância, acho que li o livro cedo demais. Não sei se na época tinha embasamento para absorver muito do que li ali, acho que hoje a leitura seria mais proveitosa,porém, me atrevo a dizer, igualmente impactante.

De certa forma, “Ratos e Homens” me transportou para aquela época. Steinbeck tem uma voz profunda – e não sei se me entenderão quando digo isso. Ele é um autor que não fala alto, ao contrário, mas há grande impacto naquilo que ele quer passar justamente por narrar algo corriqueiro, a difícil realidade do trabalhador americano durante a recessão econômica da década de 1930, a crueza das relações humanas ditadas por um período extremamente desesperançado, e a aceitação desta realidade como remédio frente à ilusões. É melhor lidar com o que se tem que sonhar com o que é impossível.

Em “Ratos e Homens”, minha segunda leitura para o Sawyer Reading Challenge, conhecemos George e Lennie, dois trabalhadores rurais temporários que viajam juntos em busca de emprego pela Califórnia e são a perfeita imagem do contraste: George é pequeno mas sagaz, Lennie é enorme, mas com um tipo de deficiência intelectual. Em meio à crise americana, conseguem recomendação para trabalharem em uma fazenda, e é a caminho de lá que os encontramos, com George instruindo Lennie a ficar calado e deixar que ele conduza a conversa para que não sejam tomados os dois por malucos e demitidos na mesma hora.

Esse é o tom da relação entre os dois. O tempo todo George tem de lembrar Lennie sobre alguma coisa, e incitá-lo a deixar na memória que não deve fazer nada de errado, mas é difícil para o grandalhão reter alguma coisa em sua memória que não o sonho compartilhado por ambos: um pequeno pedaço de terra onde poderiam ser os próprios patrões, viver sem dar satisfação a ninguém, e criar pequenos animais, inclusive coelhos.

Mas apesar de George lidar com a maioria das situações, em alguns momentos ele perde a paciência e insinua que Lennie apenas atrasa a sua vida; e me peguei perguntando as razões pelas quais ainda andavam juntos. Lennie, o sujeito calmo de fala mansa, às vezes perde o controle; assim como George, de língua mais afiada, conta repetidamente o que farão quando tiverem seu próprio pedaço de terra para acalmar o amigo. Com toda a crueza do ambiente e das relações, há um sentimento de camaradagem, de cumplicidade, do reconhecimento de ter com quem contar que acredito é o que os mantém juntos. Eles sempre viveram assim. E, quando estamos acostumados demais com um fato de forma que ele se torna o padrão, é difícil se desligar dele.

O livro é curto, mas trás uma leitura extremamente recompensadora. Há momentos tocantes, situações expostas de uma forma que evidenciam em poucas linhas não apenas quem está presente nelas, mas também suas vontades, seus desejos e suas dores.

Me atrevo dizer que a solidão é uma constante no livro. Ou o medo dela. Talvez seja, enfim, por issoque Geroge e Lennie se mantém juntos. Enquanto os outros têm apenas a si mesmo e um trabalho duro, eles permanecem juntos. O que potencializa ainda mais as cenas finais do livro.


Ratos e Homens
, de John Steinbeck (Of Mice And Men, 1937Tradução de Ana Ban, 2012) – 152 páginas, ISBN 9788525413789, L&PM Pocket

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Sawyer Reading Challenge

8 comentários:

  1. Olá.
    Não conhecia esse livro, nem o autor. Mas parece uma leitura diferente de todas que eu já fiz. Acho que a proposta e o enredo são bem reflexivas, e interessantes. Fazem a pessoa pensar durante a história.

    http://mundo-restrito.blogspt.com.br

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    1. Juliete, recomendo que leia!, ele escreve como poucos, e gostei muito dos dois livros dele que li, o "As Vinhas da Ira" e este ;)

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  2. Tão pequeno e com tanta coisa, e ao mesmo tempo vazio, rsrs. Maluco isso.
    Como pode uma história tão intensa deixar o leitor com o sentimento de solidão?

    Fiquei curiosa e desejando o livro!!!

    Amei a resenha!! Perfeita!!! ♥

    Bjks

    Lelê - http://topensandoemler.blogspot.com.br/

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    1. Isso é Steinbeck! Recomendo fortemente também o "As Vinhas da Ira", muito bom!

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  3. Sabe quando você ler sobre um livro e pensa: esse livro é meu número, preciso lê-lo?!?!? É exatamente assim que me sinto nesse momento! Embora, confesse que estou com medo desse final, me diz que os dois vão ficar bem ... ou não, não me diga nada!

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    1. Jaci, sei bem como é isso! Olha, Steinbeck não é chegado a finais ao estilo Dickens, mas também não é maldoso. Justo é um adjetivo que se aplica bem a ele.

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    2. Não sei se esse final foi justo! Meu coração está partido não consigo chegar a um consenso sobre a justiça agora [sou uma leitora emotiva]. Foi uma história dura... Bem escrita, emocionante, real, tocante, mas impiedosa e dolorosamente real

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  4. Esse livro muuuuuuuuuuuuito me interessa! Inclusive vou procurar para o Kindle. Eu adoro livros que tratam da natureza humana, e ainda mais em épocas tão determinantes, quanto momentos de crise. Acho que é o tipo de livro que, como você disse, causa impacto, e esse é justamente meu tipo de leitura!

    Abraços!

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