15 de dezembro de 2014

Na Linha de Frente, de Lawrence Block [Resenha #200]

Na Linha de Frente


Sinopse: Matthew Scudder, detetive aposentado e alcoólatra em recuperação, trabalha em casos informais na chamada Cozinha do Inferno, uma das regiões mais violentas de Nova York. Ao ser contratado pela família da estudante Paula Hoeldtke para investigar seu desaparecimento, Matt se envolve com Willa, a síndica de um prédio assombrado por estranhas mortes. Angustiado pela falta de pistas e prestes a desistir do caso, Matt encontra um elo entre a estudante e o monstruoso Mickey Ballou, conhecido como o Açougueiro. Mas ainda haverá muitas reviravoltas até que ele consiga desvendar os verdadeiros culpados.


Na adolescência fui um leitor voraz de romances policiais. Comecei com Agatha Christie e, quando já tinha lido tudo dela que estava disponível na biblioteca da escola, passei para outros autores, e foi assim que li Georges Simenon, Raymond Chandler, Arthur Conan Doyle e Lawrence Block.

Em romances policiais gosto muito de duas vertentes que considero bem distintas: a europeia, com detetives bem alinhados, educados e crimes que não tem como fator principal a barbárie, e geralmente envolvem a alta sociedade local; e o noir americano, com detetives que bebem muito, falam muito consigo mesmos e tem uma vida pouco invejável, enquanto investigam assassinatos, desaparecimentos e puladas de cerca, lado-a-lado com algumas das mais sórdidas figuras das ruas das grandes cidades, o que talvez explique a necessidade de um barman amigo e um trago de boa qualidade.

Lawrence Block está mais para o noir. Dele já tinha lido o “Punhalada no Escuro” e a coletânea “A Escolha de Mestre”, e, principalmente o primeiro, me deixou positivamente impressionado. Estava ali um autor que merecia ser lido.

Mas muito tempo se passou sem que nada dele me chegasse ás mãos, até que tive contato com esse “Na Linha de Frente”. Nele, tive meu primeiro encontro com seu detetive mais conhecido, Matthew Scudder, um ex-policial que luta contra o alcoolismo, mora em um hotel não tão barato pra que seja uma espelunca, mas não tão caro que não possa pagar, e que prefere trabalhar esporadicamente como investigador particular do que ficar preso a uma rotina de detetive trabalhando para uma agência.

— Há quanto tempo deixou de ser policial, Matt?
— Alguns anos.
— E o que você faz agora? É jovem demais para ser um aposentado.
— Sou uma espécie de detetive particular.
— Uma espécie?
— Não tenho uma licença. Ou um escritório, ou um anúncio nas Páginas Amarelas. Nem tenho muitos clientes, mas de vez em quando alguém aparece me pedindo para cuidar de um caso.

Um conhecido da polícia de Nova Iorque o indica para um pai que está em busca de sua filha que se mudara para a cidade a fim de estudar, mas que há algum tempo não entrava em contato com eles. Matt se recusa a dar muitas esperanças, o desaparecimento já aconteceu há muito tempo, e ele se sente mal por aceitar o dinheiro do pai da moça sabendo que, a essa altura, muito pouco poderá ser feito para encontrá-la.

Como o pai insiste, ele aceita o trabalho e faz o básico: visita o prédio onde ela morava, fala com os colegas do curso de teatro, com as pessoas que trabalhavam com ela, mas muito pouco rende dessas entrevistas que possa ser realmente útil na investigação, até que Matt consegue ligar um ou dois pontos que fazem com que cresça nele a desconfiança de que Paula – a moça desaparecida – não desapareceu voluntariamente, como se tivesse simplesmente entrado em uma aventura sem contar nada para ninguém.

Teve uma tia minha que estava morrendo de câncer na tireoide. Ela era a irmã mais nova da minha mãe, minha única parente viva. Eu vivia jurando a mim mesmo que ia visitá-la no hospital, mas adiei várias vezes, e a mulher acabou morrendo. Me senti tão culpado por não ter ido ao hospital que também não fui ao enterro. Para compensar, mandei flores, fui à porra de uma igreja e acendi a porra de uma vela. Tudo isso deve ter sido um consolo enorme para a minha tia.

O que gosto em romances policiais noir é a ambientação e a narrativa. Noite, chuva e umidade são constantes, assim como corações partidos, mágoas, bebidas e sexo casual, nem sempre nessa ordem. A narrativa desses livros não ficam presas ao crime. Claro que são contadas as pesquisas realizadas, os avanços e os becos sem saída, mas, no geral, a figura do detetive, suas características, seus anseios e desejos, sua psique – quem é ele? – tomam um espaço tão grande quanto, se não maior. É, de certa maneira, ele que buscamos conhecer, e não tanto o destino da vítima e seu suposto agressor.

Por isso é tão interessante que se leia romances policiais na ordem de publicação. Apesar de ter uma narrativa independente, eu gostaria de saber o que acontecera com o último caso amoroso de Matt, e como ele terminara como um ex-policial fazendo bicos para sobreviver. Não é algo fundamental, mas pode fazer muita diferença.

No livro, acompanhamos algumas reuniões do AA que Matt frequenta religiosamente, e é interessante ver esse lado, o do detetive que luta para se manter sóbrio, que reconhece suas fraquezas e com o quanto de coisas o vício já comprometeu em sua vida. O que torna interessante quando ele começa a se envolver com Willa, a síndica de um prédio onde um amigo dele mora, e uma personagem que bebe. Block tratou do tema de uma forma bastante natural, Willa fica muito preocupada no começo, e diz que nunca sabe se pode falar de bebida com Matt, se pode tomar alguma coisa enquanto ele fica no refrigerante, mas tudo corre sem grandes incidentes. E, quando dão o primeiro beijo, e ele sente na saliva dela o gosto do álcool, isso tem reações inesperadas quando vão pra cama.

Fico admirado com o quanto alguns autores são tão menos badalados quanto mereciam. Lawrence Block tem uma narrativa afiadíssima, a leitura transcorre bem, e é bastante agradável acompanhar os monólogos de Matt – e isso vindo de mim, que sempre me perco em monólogos, mas aqui eles foram fundamentais para compor a figura do detetive. A cidade de Nova Iorque, escura, úmida e com bêbados e pedintes pelas ruas é quase que um personagem, como não poderia deixar de ser.

No final, gostei muito. Foi bom esse reencontro, e ficou uma vontade latente de já partir pra leitura de algo mais do autor. Fica a recomendação, foi com certeza uma das melhores leituras do ano.

 

Na Linha de Frente, de Lawrence Block (Out on the Cutting Edge, 1989Tradução de Julia Romeu, 2010) – 264 páginas, ISBN 9788535916621, Companhia das Letras[COMPRAR NO SUBMARINO]

{A+}

5 comentários:

  1. Eu vi esse livro esses dias, mas como não tinha visto nenhuma opinião deixei passar. Fico com medo de não gostar.
    Acho que você me entende, o que lemos na sinopse nem sempre condiz com o que vamos encontrar nas páginas.
    Mas agora, com essa avaliação e tudo o que você disse sobre o romance policial, corações partidos, mágoas e tudo mais, tenho certeza que irei gostar.

    Bjkssss

    Lelê - http://topensandoemler.blogspot.com.br/

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    1. Lelê, quando li o primeiro livro dele também foi uma tremenda surpresa, vale muito a pena ler ;)

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  2. Desse autor, nunca li nenhuma resenha, esta é a primeira. Eu não sabia o que era um romance policial noir e dei uma pesquisada aqui e acabei gostando da premissa. Vou tentar seguir essa dica de ler em ordem de publicação. Mais uma vez parabéns pela resenha.

    Você já leu Sydney Sheldon? Li meu primeiro romance dele esses dias e me apaixonei pelo autor.

    Beijos. Tudo Tem Refrão

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    1. Ágata, em romances policiais é sempre muito bom que se siga a ordem de publicação ;) Olha, o Sheldon vem chegando muito bem recomendado, espero conseguir ler alguma coisa dele agora em 2015 ;)

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  3. Nunca tinha ouvido falar do autor e fiquei muuuuito interessada! Faz tempo que não me aprofundo no gênero policial, e lendo a trilogia Millennium, fiquei com mais vontade ainda. Vou anotar o nome do autor e tentar ler os livros na ordem. Ótima resenha!!!

    Abraços!

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