9 de fevereiro de 2015

As Estranhas e Belas Mágoas de Ava Lavender, de Leslye Walton [Resenha #204]

As Estranhas e Belas Mágoas de Ava Lavender


Sinopse: Gerações da família Roux aprenderam essa lição da maneira mais difícil. Os amores tolos parecem, de fato, ser transmitidos por herança aos membros da família, o que determina um destino ameaçador para os descendentes mais jovens: os gêmeos Ava e Henry Lavender. Henry passou boa parte de sua mocidade sem falar, enquanto Ava que em todos os outros aspectos parece ser uma jovem normal nasceu com asas de pássaro.

Tentando compreender sua constituição tão peculiar e, ao mesmo tempo, desejando ardentemente se adaptar aos seus pares, a jovem Ava, aos 16 anos, decide revolver o passado de sua família e se aventura em um mundo muito maior, despreparada para o que ela iria descobrir e ingênua diante dos motivos distorcidos das demais pessoas. Pessoas como Nathaniel Sorrows, que confunde Ava com um anjo e cuja obsessão por ela cresce mais e mais até a noite da celebração do solstício de verão. Nessa noite, os céus se abrem, a chuva e as penas enchem o ar, enquanto a jornada de Ava e a saga de sua família caminham para um desenlace sombrio e emocionante.


Se aceitam um conselho, não leiam sinopses. Nunca, jamais! Escolham o livro que querem ler por intuição, as chances de se decepcionar são grandes, é verdade, mas quando algo realmente bom surgir, as sensações ao final da leitura são indescritíveis. Foi isso que aconteceu comigo lendo o relato de Ava Lavender.

Pra começar, dizer que a família Roux é disfuncional é chover no molhado. O bisavô de Ava, Beauregard Roux, frenólogo francês, tinha o sonho de se mudar para Manhattan, mas, chegando aqui, desaparecera e deixara a mulher em um apartamento minúsculo cuidando dos quatro filhos, até que ela mesma começara a ficar transparente, terminando em um montículo de poeira azul. René, tio-avô de Ava, era reconhecido pela beleza extrema, mas fora morto pelo próprio amante. Sua irmã, Margaux, ao descobrir a traição do homem que amava, arrancara o próprio coração do peito; e Pierette, uma linda menina de cabelos louros acabara por se transformar em um canário. Pensando assim, Emilienne, avó de Ava, era a mais normal da família, mas, assim como seus irmãos, o amor lhe cobraria um preço.

O sobrenome da família muda de Roux para Lavender quando Emilienne conhece seu futuro marido, um padeiro que sofrera paralisia infantil e que por isso, ela acreditava, não seria propenso a abandoná-la ou fazê-la sofrer. Casada, já uma Lavender, partem de Manhattan a esmo, procurando um lugar para viver, até que terminam em uma casa ao final da Pinnacle Lane, em Seattle, onde seu marido abre uma padaria, e onde nasce sua única filha, Vivianne.

O livro é narrado por Ava, e o tom utilizado pela autora é o de uma menina de dezesseis anos que já passou por muita coisa – mas que mantém certo humor – e que vive em um ambiente onde o fantástico é um elemento sempre presente. A forma como ela conta a história de sua família é de um lirismo que torna difícil largar o livro sem que saibamos o que acontece a seguir. É bastante melancólico também, ainda mais quando vamos adivinhando – ou reconhecendo – entranhados no texto alguns sinais de que algo muito sério vai acontecer.

Reconheço que não entendi muito bem o distanciamento de Ava com relação à sua família no relato. Ela raramente – ou nunca – chama as pessoas de outra forma que não pelo nome, então lemos Vivianne, ao invés de mãe; e Emilienne, no lugar de avó. A família como um todo não é um grupo muito afetuoso, todos estão ocupados demais com suas dores – a mãe de Ava esperando por quinze anos um amor adolescente não correspondido que se mostrara bem canalha; e a avó convivendo com os espectros dos irmãos, que vivem nos cantos escuros da casa onde moram – e se ocuparam da melhor maneira que podem (levam ao pé da letra a ideia de que o trabalho ocupa a mente), o que não quer dizem que não nutram carinho um pelo outro. É diferente, como se bastasse saber que estão por perto, não sendo preciso demonstrações maiores.

Para completar os fatos estranhos da família Lavender, Vivianne tivera um casal de gêmeos, Henry, que não falara uma palavra sequer até a adolescência, e Ava, que nascera com asas.

Uma menina com asas. Todo o mundo que Ava conhece é o quintal de sua casa. Ela não se sente segura saindo pelas ruas, então é na amizade com Cardigan que ela toma conhecimento dos fatos mundanos, como a sensação de um beijo ou o que pensar dos garotos. Mas é claro que em algum momento isso não é mais o suficiente, e ela passa a se arriscar, a sair às escondidas, tentando sentir o que uma garota normal sentiria.

Coloque asas em um ser humano e logo um maníaco religioso irá enxergar um anjo – quando era pequeno havia uma tradição (sou católico) de as crianças usarem asas de algodão em uma certa celebração que não me lembro mais qual era. Nunca vou me esquecer quando um dos meus amigos, reconhecidamente arteiro, conseguiu atear fogo à dele, encostando sem querer em uma vela. Anos mais tarde aquilo ainda nos faria rir, principalmente quando se fazia alguma referência à anjos caídos. – É aqui que aparece Nathaniel. Ele, rapaz extremamente devoto que, dá margem à suspeitas, fora recusado por três seminários, vai tomar conta da tia, vizinha de Ava, que, acreditam está passando por um momento de distanciamento da fé.

O que mostra que não apenas a família Lavender é estranha, mas toda a Pinnacle Lane. A tal tia, Marigold Pie, seguia os preceitos da fé, e não se deixava tentar por nenhum dos apetites, inclusive o sexual. Com uma dieta a base de aveia  e leite, pesava menos de quarenta quilos, e ia até à padaria de Emilienne apenas para olhar os doces e testar seu auto controle. Até que Emilienne, de surpresa, enfia uma colher de cobertura na boca da mulher. E tudo muda.

Essa é uma passagem um tanto surreal e uma das que mais me fez rir no livro. Acho que ela mostra bem a frequência na qual os Lavender estão sintonizados. É complicado falar sobre o livro além de dizer que ele é curto e muito bem conduzido, e te faz tanto sorrir quanto se preocupar com Ava, que, sim, é uma das personagens mais carismáticas com quem tive contato.

Vale a pena ler. Para mim, já desponta como um dos melhores do ano.

 

As Estranhas E Belas Mágoas de Ava Lavender, de Leslye Walton (The Strange and Beautiful Sorrows of Ava Lavender, 2014Tradução de Rafael Gustavo Spigel, 2014) – 304 páginas, ISBN 9788581635941, Editora Novo Conceito.

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19 comentários:

  1. Eu estava lendo sua resenha e amando, mas eu estava achando que você não tinha gostado do livro.

    Pela primeira vez eu imaginei que eu iria curtir um livro que você tinha odiado, kkkkkkkkkkkk.

    Mas que nada, você gostou muito e este já é um dos livros que vou ler em breve, muito breve mesmo.

    Sei que vou amar esse realismo fantástico. Já estava de olho nele antes de ser lançado aqui. E sendo da Novo Conceito é melhor ainda!!

    Logo te conto o que achei!!

    Bjksssss

    Lelê

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    1. Lelê, é muito bom! Não percebi que havia usado um tom muito desanimado!

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  2. Oi Luciano, tudo bem.
    Não imaginava, nem de longe, que esse livro fosse ser tão bom. Eu confesso que pulei a parte da sinopse e fui direto pra sua resenha. No início fiquei confusa, mas foi aquele tipo de confusão gostosa, que desperta curiosidade na gente quanto a um livro. Vou tentar adiantar algumas leituras e ler este, pois parece ser um livro especial.
    Abraços,
    Amanda Almeida
    http://amanda-almeida.com.br

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    1. Amanda, o livro usa bastante o elemento fantástico, e isso é feito de forma muito competente pela autora. Vale a pena ler.

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  3. Oi Luciano!
    Não fazia ideia de que esse livro era tão bom assim!
    Eu também não gosto de ler sinopses, algumas são verdadeiros spoilers ou entregam a maior parte do livro.

    Beijos,
    Sora - Meu Jardim de Livros

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  4. EU PRECISO DESSE LIVRO, já li algumas resenhas muito positivas dele. Quando comecei a ler a sua, pensei que você diria que se decepcionou com o livro, mas então entende que foi o contrário. To curiosa pra ver esses contrapontos, menino mudo vs menia com asas. E você tem razão, religiosos conseguem ver santidade em tudo. Chega a ser engraçado, mas eu nunca usei asas hahaha.

    Beijos. Tudo Tem Refrão

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    1. Hahahaha! Aquelas asas eram estranhas. Ágata, eu gostei do livro, ele me causou uma série de sensações, sendo a maior delas no final. Vale ler ;)

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  5. To animada com essa leitura, já está no meu kindle! Porém, quando a Paty do Leituras da Paty disse que abandonou o livro, resolvi colocar minhas expectativas mais dentro da realidade, então vou animada - ainda mais com sua resenha - mas com um pezinho no chão, para não criar falsas impressões. Depois eu conto o que achei!

    Abraços!

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    1. Lu, leia! Espero que goste!

      Olha, lá pela metade as coisas acalmam um pouco e pode desanimar algumas pessoas, mas logo o ritmo aumenta. Compensa chegar até o final ;)

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  6. É incrível como a forma com a qual alguém nos apresenta uma história muda nosso olhar sobre ela! Eu não tinha colocado esse livro em minha vida, ouvi mal dele blogosfera literária afora (pq sim, eu exploro a blogosfera literária com fúria por conta do O que tem na nossa estante_compenso a raridade de minhas resenhas quase inexistentes com comentários hohohoho).

    Sua resenha mudou tudo no meu olhar sobre esse livro! Me fez olhar para ele de novo e com olhos afeto, vejo nele um possível amigo de caminhada nessa jornada difícil que é a vida. Amo esse tipo de leitura, amo acompanhar personagens que tem famílias e histórias complicadas, mas não perdem a ternura, independente do fim é bom caminhar com esses personagens e depois tê-los conosco em nosso coração... para fazer companhia mesmo nesses dias difíceis!

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  7. Livro lindooo. Quero muito ler ;)

    Luísa Castro

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  8. Ah, mas já faz tempo que aboli sinopses da minha vida de leitora, a maioria é maior estraga prazer.
    Olha, eu demorei 1 semana pra ler 140 páginas desse livro e abandonei, achei arrastado demais, detalhes demais, personagens demais, problemas demais, enfim, a leitura não funcionou comigo....toda aquela árvore genealógica foi demais pra mim rsrs.
    Ao contrário de você, não senti conexão com Ava, acho que foi aí que minha leitura se perdeu.

    Beijos.
    Leituras da Paty

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  9. Gostei da resenha, apesar parecer um pouco confuso de entender, deu pra separar bem cada passagem da história. Primeiro me pareceu bem melancólico, mas ai depois ficou bem interessante.. Eu já assisti um filme francês onde uma garotinha tinha nascido com asas...me lembrei muito desse filme, mas não lembro o nome agora. Me parece ser uma história com uma aventura bem legal.

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  10. A primeira impressão é a que fica e eu fiquei impressionada com a historia destes gêmeos e de Ava. amaria ler com certeza. bjs

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  11. Surreal, disfuncional, estranha, são palavras mágicas p/ mim, sou psicóloga, e como sempre gostamos das coisas malucas da vida, fiquei mto curiosa para espiar esse livro já!!!

    Miquilis

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  12. Este comentário foi removido pelo autor.

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  13. Já estava bastante interessada em ler esse livro só justamente pela sinopse, e agora depois de ver essa resenha fiquei ainda mais ansiosa em conferi essa história que parece ser surreal!

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  14. Até agora só li coisas boas sobre esse livro. De um realismo fantástico, adolescente com asas e coisas malucas como se tornar transparente e desaparecer. Queria ter o livro aqui e agora para poder comerçar a leitura. Amei a resenha e o livro já está na minha lista de desejados.

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Oscar