1 de junho de 2015

Em Busca da América, de Anne Tyler [Resenha #221]



Sinopse: No aeroporto de Baltimore, dois casais aguardam a chegada de um vôo proveniente da Coréia, que traz duas crianças a serem adotadas. O casal Donaldson é a típica representação "americano médio" - Bitsy e Brad ostentam buttons de "Mamãe" e "Papai", além de estarem acompanhados do restante da família, que traz filmadoras e balões. Já Ziba e Sami Yazdan, de ascendência iraniana, apresentam um comportamento discreto, sem muitos festejos. Apesar das diferenças, é o início de uma amizade, que vai colocar em foco a "identidade americana".


Não conhecia Anne Tyler até ter a oportunidade de ler “O Começo do Adeus”, que foi publicado há alguns anos pela Editora Novo Conceito, e me surpreendi muito com o livro da autora, passando a ter profundo respeito e admiração pela sua obra. Só que eu me via em uma posição ambígua: apesar de querer muito ler algo mais dela, fazê-lo é olhar, inevitavelmente, para dentro de si, e não sei se estava pronto, até agora.
 
O “Em Busca da América” sempre me deixou curioso graças a capa: abaixo do título, uma criança claramente oriental segura alguns balões. É impossível não relacionar esta imagem à do “sonho americano”, do fato de ser aquele país um destino em comum para tantas pessoas que querem mudar de vida e enxergam ali sua oportunidade.
 
Mas qual o papel do imigrante na sociedade americana? Será que, um dia, se sentem integrados à sociedade, como em casa?

É este sentimento que Anne Tyler se propõe a discutir no livro, através de dois casais, um americano e outro de descendentes de iranianos, que decidem adotar duas meninas sul-coreanas, pois não conseguiam ter filhos, acompanhando-os nessa história através de vários anos. De começo, esta mistura de nacionalidades representa bem a formação da sociedade americana, extremamente heterogênea quando se pensa que pessoas de todo o mundo vivem ali, além do desejo que muitos dos imigrantes tem de se adaptar totalmente à sociedade, curvando-se, até mesmo, a alguns dos modismos delas.

No livro, Ziba e Sami Yazdan, o casal de descendentes iranianos, constantemente se sentem inseguros perante Bitsy e Brad Donaldson – o casal americano – com Sami desfilando seu inglês sem sotaques estrangeiros, perfeitamente moldado, como se fosse um insulto falar o inglês que seus parentes falam, carregados de sotaque misturados ao farsi; e Ziba sem saber como se posicionar com relação à Bitsy na criação de sua filha, pois a outra tem uma constante preocupação com alimentos saudáveis, métodos pedagógicos e tecidos que causam alergias, coisas com as quais ela jamais pensara em se preocupar, o que a faz pensar que não está preparada para criar sua filha.

Já Bitsy e Brad veêm nos Yazdan um casal mais jovem, mas com quem gostariam de conviver principalmente para que a garota que eles adotaram tivesse uma amiga do mesmo país, para que não se sentisse deslocada na sociedade americana, ao mesmo tempo que conectada com a cultura coreana.

Olhando para ela, coberta de cetim e brilhando com o ouro, seus parentes poderiam rir, mas Maryam sabia o que ela queria dizer. Era difícil, mais difícil do que as pessoas da nossa terra poderiam imaginar, e às vezes ela se perguntava por que as duas tinham durado tanto em um país onde tudo acontecia tão rápido e todas as outras pessoas sabiam todas as regras sem perguntar.

O único fio de sanidade no livro está presente na figura de Maryan, mãe de Sami e uma personagem sábia como poucos. Ela emigrara do Irã para encontrar o marido nos EUA, e mesmo que tivesse tentado se adaptar à vida americana, emulando seus costumes e maneiras, ela mantivera muito daquela mulher que crescera em uma família grande e rígida no Irã, pouco antes da revolução islâmica.

Talvez por isso ela consiga enxergar as coisas de uma perspectiva privilegiada, percebendo o quanto os Donaldson os acha diferentes, com seus costumes peculiares e uma vida social que gira em torno da cozinha e de mesas fartas; e do quanto seu filho e sua nora se dedicam para se parecerem com o casal de amigos, comprando os mesmo carros e até mesmo se preocupando em morarem mais perto, com o pretexto de as meninas cresceram próximo uma da outra.

Mas, mesmo tendo uma leitura do que se passa mais abrangente que de qualquer outro, ela não consegue deixar de se sentir colocada para escanteio, diminuída, e aceita tudo com a firme resignação e o desejo de não confrontar ninguém que, ela se recorda, é uma marca de sua família.

A beleza de se ler um livro de Anne Tyler está em ver como ela disseca a sociedade, as relações familiares, em como a vida simplesmente acontece. Por isso  quem a lê aguardando grandes reviravoltas rocambolescas, bandidos e mocinhos ou um romance desenfreado tende a se decepcionar.

Ela fala sobre a vida, suas grandezas e pequenezes, e de como as relações vão se dando enquanto os dias se sucedem. Não há nada mais belo do que isso. E ninguém melhor que Anne Tyler para falar sobre.


+da autora


Em Busca da América, de Anne Tyler (Digging to America, 2006 Tradução de Maria José Silveira, 2007) – 319 páginas, ISBN 9788501077509, Editora Record.

 
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3 comentários:

  1. Gostei do fato do livro parece tentar mostrar um pouco da cultura de tantos personagens diferentes. Gosto de leituras assim, que nos fazem tentar entender pessoas com costumes diferentes aos nossos.

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  2. Eu concordo amplamente com você em relação ao coração da escrita da Anne Tyler: "a beleza de se ler um livro de Anne Tyler está em ver como ela disseca a sociedade, as relações familiares, em como a vida simplesmente acontece" e "ela fala sobre a vida, suas grandezas e pequenezes, e de como as relações vão se dando enquanto os dias se sucedem.".

    Talvez por isso ela esteja entre minhas autoras favoritas é fácil ter empatia com seus personagens, se identificar e no caminho se sentir mais humano, mais protagonista de uma história... Somos comuns, mas ainda assim protagonizamos nossa epopeia, a Anne percebe isso e conta isso em suas histórias.

    Estou aqui me coçando para trazer esse livro para casa, já faz um tempo que não leio nada dela, estou com saudades!

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  3. Eu também amei "O Começo do Adeus" e me apaixonei pela escreta da autora. Ela tem a capacidade incrível de criar personagens reais, situações cotidianas e emoções que deixam a gente a flor da pele. Tenho como desejado outros livros dela e esse certamente esse está na lista.

    Bjs ;)

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