20 de maio de 2013

A Livraria 24 Horas do Mr. Penumbra [Resenha #128]

A Livraria 24 Horas do Mr Penumbra

 

 

 

 

 

Sinopse: A recessão econômica obriga Clay Jannon, um web-designer desempregado, a aceitar trabalho em uma livraria 24 horas. A livraria do Mr. Penumbra — um homenzinho estranho com cara de gnomo. Tão singular quanto seu proprietário é a livraria onde só um pequeno grupo de clientes aparece. E sempre que aparece é para se enfurnar, junto do proprietário, nos cantos mais obscuros da loja, e apreciar um misterioso conjunto de livros a que Clay Jannon foi proibido de ler. Mas Jannon é curioso…

Virei a última página do livro agora pouco, então tudo ainda está muito fresco na memória e ainda sinto de forma bastante pronunciada a satisfação que me tomou de conta quando o terminei de ler. Faz algum tempo que não sentia isso, que não sentia tanta gratidão por ter tido a oportunidade de ler um livro. Valeu a pena cada minuto passado na livraria de Mr. Penumbra.

A premissa parece um tanto quanto simples: Clay, o protagonista, é um cara comum que perde o emprego durante a crise mundial, e, com pouco dinheiro na conta e um sentimento de não estar conseguindo acompanhar o ritmo de seus amigos – todos parecem mais bem sucedidos que ele – decide deixar o orgulho de lado e se candidatar a um emprego fora de sua área de atuação – ele é web-designer.

Assim começa a trabalhar como atendente em uma livraria 24 horas, assumindo o turno da madrugada, o que mostra ser um emprego bastante solitário, uma vez que pouquíssimos clientes aparecem e, para piorar, o catálogo da livraria é bastante limitado, sem os best-sellers do momento e com títulos que parecem ter sido escolhidos unicamente levando em consideração o gosto de seu chefe, o Mr. Penumbra.

Voltamos para as prateleiras pequenas e para as capas feitas em aerógrafo. Neel folheia outro de nossos velhos favoritos, uma história sobre uma grande espaçonave cilíndrica que lentamente se aproxima da Terra.  {Arthur C. Clarke, é você?}

Mas o verdadeiro tesouro – e fonte maior da estranheza do local, um prédio estreito, sem muitos atrativos – são as estantes altas, com livros de aparência distinta, que Clay chama de “Catálogo Pré-histórico” e que são solicitados por personagens estranhos, portadores de cartões com códigos alfanuméricos e que surgem esporadicamente, no meio da noite. Clay não demora a perceber que há algo mais ali, por trás daquela livraria que se mantém funcionando mesmo vendendo tão pouco.

— Não sabia que gente da sua idade ainda lia livros — diz Penumbra. Ele ergue uma sobrancelha. — Eu tinha a impressão de que liam tudo em seus telefones celulares.

— Nem todo mundo. Há muita gente que, o senhor sabe... gente que ainda gosta do cheiro de livros.

— O cheiro! — repete Penumbra. — Você sabe que está acabado quando as pessoas começam a falar do cheiro. — Ele sorri com isso, então algo lhe ocorre e ele aperta os olhos. — Imagino que você não tenha um... Kindle, tem?

– página 68 {o grifo é meu}

É em busca deste mistério que parece pairar sobre o Catálogo Pré-histórico que Clay vai atrás, e é aqui que reside toda a grandeza do livro, no fato de o autor conseguir imprimir em nós leitores, uma necessidade de saber o que está acontecendo, de se saber qual o mistério e o que ele representa, que é quase impossível largar o livro. Há um bom tempo não lia um livro em menos de dois dias.

Pois sim, há um mistério. Apesar de ser proibido de o fazer por Mr. Penumbra, Clay abre um dos livros que ocupam as partes mais altas das estantes, o “Catálogo Pré-histórico”,  e vê que ali há apenas código, uma espécie de texto codificado. O comportamento dos “membros” da livraria que buscam aqueles títulos é tão singular que logo ele passa a conectar uma coisa à outra e suas suspeitas aumentam, até que, meio sem querer, tropeça na verdade.

Se eu contar no que consiste o mistério o livro perde a graça, mas posso dizer que os membros tomam um dos livros do Catálogo Pré-histórico emprestado, e, quando retornam, solicitam outro.  É como se, não é difícil imaginar mesmo para quem não leu o livro, pegassem um livro, o decifrassem e, ao final, tomassem outro baseado em algo encontrado no anterior, fazendo o mesmo processo. Não demora muito e nos perguntamos o que se passa quando a pessoa desvendar os segredos do último volume. O que aconteceria?

O livro começa devagar e a atitude de Clay perante a livraria chega a ser até mesmo desinteressante: ele não está exercendo uma atividade que gosta, então soa um pouco reclamão no começo. Nada fora do normal acontece, mas as coisas melhoram bastante quando ele se vê envolvido pelo mistério e se mostra afoito por desvendá-lo.

E a ação em si não demora a acontecer. O livro segue uma narrativa simples, em primeira pessoa, capitaneada por Clay, que tem um tom leve e bem-humorado que casa com a imagem que se faz do protagonista: ele é um cara do bem, interessado, prestativo, cercado por bons amigos, entre eles Neel e Kat, com quem forma uma trupe digna dos melhores rpg’s.  Assim como as figuras marcantes que tomam empréstimos do Catálogo Pré-histórico: é impossível para quem gosta de livros não se identificar com eles e suas aparências peculiares. Talvez alguém possa achar ofensivo retratarem pessoas com tanto amor aos livros como figuras recurvadas e vestidas sempre com vinte anos de atraso com o que está na moda. É assim que me vejo as vezes, então normal, e, acredito, faz parte da essência do bom leitor ter algo de estranho.

Mas ninguém foi tão querido para mim durante a narrativa quanto Mr. Penumbra. Apesar de não aparecer ativamente em boa parte do livro, toda a ação gira em torno dele ou de sua livraria, mesmo que em lembrança. Ele é um revolucionário que luta uma guerra praticamente sozinho contra séculos de história de resistência à tecnologia. Como toda pessoa à frente do seu tempo – ou, no caso, à frente do tempo do grupo com o qual convive – é tido como um rebelde, um risco à tradição por tanto tempo mantida intacta. Só acho que poderiam ter traduzido o “Mr.” para “Sr.”, ficaria mais natural, agradável de ler.

No fim, apesar de ser grato pelo desfecho – e um epílogo que gostaria de ver em todos os livros que leio – lastimo um pouco. Eu gosto de livros, do objeto livro, e, mesmo tendo um e-reader, prefiro mil vezes o contato íntimo do papel ao frio impessoal do plástico. Ver a tecnologia se sobressair frente ao trabalho de centenas de homens que há séculos dedicaram sua vida é algo que dói um pouco, mas, me fez pensar no que é realmente válido nos dias de hoje, e, também, no quanto a tecnologia nos torna mais burros e dependentes.

O autor explora muito bem este ponto, e ao ver Davi mais uma vez derrubar Golias eu não pude deixar de sorrir intimamente. Pra que enxergar macro quando o que nos é essencial, na maioria das vezes, é micro?

Festina lente.

 

A Livraria 24 Horas do Mr. Penumbra, de Robin Sloan (Mr. Penumbra’s – 24 Hour Bookstore, 2012Tradução de Edmundo Barreiros, 2013) – 288 páginas, ISBN 9788581630236, Editora Novo Conceito.

{ A }

 

12 comentários:

  1. Resenha inspirada ein?!?!? Adorei, deu vontade de correr e arrumar esse livro é muito bom quando isso ocorre pós resenha. \o/

    A proposito, o objeto livo, as vezes me pergunto se não vai acontecer com ele o que ocorreu com os pergaminhos ou placas de madeira... suportes anteriores a leitura e me pergunto se os usuários desses suportes não sentiram também essa angustia danada quando viram surgir o papel como suporte... as vezes me pergunto como os monges que passavam a vida toda escrevendo aqueles livros em mosteiros isolados do sol, da chuva e da alegria não se sentiram perdidos quando Johannes Gutenberg apareceu com sua invenção...

    Mesmo tendo vontade de experimentar o e-reed, pensar em um mundo sem livros de papel me da um certo desamparo, porque um livro é mais que um papel pintado com tinta, eles são companhia, será que um arquivo em pdf pode ser esse tipo de companhia que um livro de papel é???

    Não sei, mas adorei a resenha e quero ler um livro que faz pensar nessas coisas!!!

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  2. Luciano,

    Desde que vi esse livro fiquei intrigado, tanto pela capa quanto pela sinopse. Agora, após ler sua resenha, tenho que admitir que minha vontade de lê-lo se renovou.

    No que toca a oposição entre o velho é o novo, parece ser um aspecto bastante interessante. Aliás, ótima resenha.

    Abraços
    Juan - http://sempre-lendo.blogspot.com/

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  3. Eu realmente não esperava que o livro fosse tudo isso, estou surpresa e já louca para ler esse livro. Achei a proposta bem diferente do que está na moda hoje no mercado, então o livro parece ser muito válido.

    Abraços!

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  4. Oi Luciano!
    Recebi esse livro na sexta-feira e se já estava louca para ler antes, depois da sua resenha quero ler ainda mais!
    Também acho estranho esse "Mr." no lugar de "Sr.".

    Beijos,
    Sora - Meu Jardim de Livros

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  5. Para quem gosta de um mistério, bom argumento e boa narrativa... meio caminho para gostar desse livro. Pela sua empolgação, fiquei super curiosa! :) Boa semana!! Beijus,

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  6. Luciano não pude deixar de ler essa maravilhosa resenha de um livro tão aguardado e na certeza de que era uma leitura contagiante. Preciso viver e conhecer a história de Mr. Penumbra e mais ainda o protagonista Clay.
    Ainda não recebi os livros da NC. Acho que o Rio foi deixado pó último.
    Um bom dia e um ótima semana.
    Beijos

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  7. Luciano não pude deixar de ler essa maravilhosa resenha de um livro tão aguardado e na certeza de que era uma leitura contagiante. Preciso viver e conhecer a história de Mr. Penumbra e mais ainda o protagonista Clay.
    Ainda não recebi os livros da NC. Acho que o Rio foi deixado pó último.
    Um bom dia e um ótima semana.
    Beijos

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  8. Li várias outras resenha sobre este livro, mas confesso que a sua resenha me deu ainda mais vontade de ler. Deve ser mesmo uma leitura agradável pela forma com que descreveu a história.
    Não vejo a hora de ler este mistério da livraria do Mr. Penumbra.
    Parabéns!

    beijo,
    criandorabiscos.blogspot.com

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  9. Ei, que resenha legal! (como sempre, mas a de hoje tá especial :D)
    Enfim, solicitei esse livro por gostar bastante do título e vejo que provavelmente superará minhas expectativas. Não sei, sou uma apaixonada por tudo que diz respeito a livros, mas não vejo problemas na troca parcial por versões digitais mais ecológicas, portáteis e baratas (no Brasil ainda não, mas é inviável que os preços continuem desta maneira)... De qualquer maneira, não parece ser a questão central do livro, viajei aqui agora haha

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  10. Recebi semana passada, fiquei pensando "será? será? será? não sei". Tais questionamentos sempre acabam em "não sei" para mim.

    Gostei do enredo: livro falando sobre livraria. Fora o "penumbra" encaixa o título de uma forma bem legal. Mas fiquei na dúvida. Depois de ter lido tua resenha avançou algumas posições na leitura!

    Abraços!

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  11. Este comentário foi removido pelo autor.

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  12. Estou lendo ele e achei sua resenha motivadora. Realmente o Mr. Penumbra é muito carismático e ele deveria mesmo aparecer mais. Ainda estou no começo mas já me apaixonei pela livraria descrita pelo Clay. Primeira vez que venho aqui e gostei do blog, sucesso e Festina Lente!

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