26 de agosto de 2013

“Garota, Interrompida”, de Susanna Kaysen [Resenha #141]

Garota Interrompida 

Sinopse:  Quando a realidade torna-se brutal demais para uma garota de 18 anos, ela é hospitalizada. O ano é 1967 e a realidade é brutal para muitas pessoas. Mesmo assim poucas são consideradas loucas e trancadas por se recusarem a seguir padrões e encarar a realidade. Susanna Keysen era uma delas. Sua lucidez e percepção do mundo à sua volta era logo que seus pais, amigos e professores não entendiam. E sua vida transformou-se ao colocar os pés pela primeira vez no hospital psiquiátrico McLean, onde, nos dois anos seguintes, Susanna precisou encontrar um novo foco, uma nova interpretação de mundo, um contato com ela mesma. Corpo e mente, em processo de busca, trancada com outras garotas de sua idade. Garotas marcadas pela sociedade, excluídas, consideradas insanas, doentes e descartadas logo no início da vida adulta. Polly, Georgina, Daisy e Lisa. Estão todas ali. O que é sanidade? Garotas interrompidas.

Garota, Interrompida é o tipo de livro que você fica se perguntando qual a maldita razão de não ter sido lançado por aqui antes. O filme que se baseou nele fez um grande sucesso e ajudou a evidenciar o debate levantado pelo livro, ampliando exponencialmente a mensagem que a autora, Susanna Kaysen, gostaria de passar e trazendo um novo público para o centro de debate. Qual, então, a razão de não ter sido lançado antes? Não sei.

Mas nunca é tarde.

O livro foi anunciado como um dos primeiros lançamentos do selo Única, da Editora Gente, e logo me chamou a atenção. Me lembro do impacto que o filme me causou quando o assisti, mas seus detalhes ficaram meio confusos com o passar do tempo, o que até contribuiu para que minha experiência com o livro se tornasse mais “pura”.

Para quem ainda não leu o livro, deixo um aviso: o livro não é um romance ficcional, mas se trata de uma história verídica. No índice catalográfico, está, inclusive, descrito como “Memórias autobiográficas”.  A autora do livro, Susanna Kaysen passou realmente por um período em um hospital psiquiátrico, e no livro ela nos conta um pouco de suas experiências por lá.

O que me impressiona em livros de não-ficção é que os personagens sempre me chegam com uma força muito maior: o saber que existiram, que o sofrimento foi real, que passaram por aquilo e que, em boa parte das vezes, o resultado não é muito feliz, me incomoda de um jeito estranho, pois não é algo que faça com que eu me afaste como leitor – o que seria muito bem vindo pra MINHA sanidade mental em muitos livros, especialmente quando termino uma leitura – mas sim que me aproxime.

Em um estranho sentido, éramos livres. Tínhamos chegado ao fim da linha. Não tínhamos mais nada a perder. Mossa privacidade, nossa liberdade, nossa dignidade: tudo isso tinha acabado. Estávamos despidas até o osso.

– página 110

Neste livro em especial, me tocaram profundamente a rotina, a falta de liberdade, a realidade parcial na qual vivem e os tratamentos a que são submetidas as pacientes do hospital. Susanna  nos narra tudo com muita franqueza, e  mesmo  nos momentos onde questiona a validade de sua internação – decidida pelo médico após uma consulta de meia hora, sem que lhe fosse informado de que a internação era voluntária e não obrigatória – nos dá o benefício da dúvida, e deixando claro que é sua percepção acerca dos fatos.

Como confiar no que ela diz? Se estava em uma instituição para pessoas com doenças mentais, teria alguma noção da realidade, o que ela  nos conta com o livro é o que realmente aconteceu? Por outro lado, por que devemos questioná-la quanto à isso? Só por puro preconceito? Verdade ou não, os relatos contidos no livro nos mostram suas experiências da forma como, naquela situação, as absorveu – e claro, com o bem vindo efeito que apenas o tempo tem sobre nossas memórias, às vezes tocando-as com tons de sépia, noutras, nos dando interpretações que jamais poderíamos imaginar.

Mas Susanna se mostra tão consciente ao narrar sua história que se antecipa ao nosso pensamento, e se sai com a seguinte frase:

Se meu diagnóstico tivesse sido perturbação bipolar, por exemplo, eu e minha história provocaríamos uma reação um pouco diferente. Trata-se de um problema químico, diriam. Mania, depressão, Lithium, essas coisas. Em todo caso, eu não teria culpa. E se fosse esquizofrenia? Vocês sentiriam um arrepio na espinha. Afinal de contas, isso, sim, é loucura de verdade. Ninguém se “recupera” de uma esquizofrenia. Vocês, inevitavelmente ficariam na dúvida se o que lhes conto é verdade e se perguntariam até que ponto é apenas imaginação minha.

– página 168

Fiquei impressionado com o livro, positivamente, e de todas as maneiras. É o tipo de leitura que agrega ao leitor ao seu final. Mesmo com todo o potencial de polemização e exploração da tragédia humana que o tema pode gerar, a autora opta pela moderação, com leves toques de humor.

O tom de rosa da capa do livro não combina muito com o que as meninas do sanatórios passam. A realidade – e falar de realidade em um livro que fala sobre transtornos mentais é de uma crueldade sem tamanho – é bem mais cinza.

Talvez alguns leitores não encontrem no livro aquilo que procuravam. Pode acontecer. Mas aqueles que estiverem abertos à uma experiência mais ampla, a tomarem conhecimento de uma realidade que sempre fica restrita a instituições com muros altos e repleta de combustível para mistérios e especulações, terá um belo material em mãos.

 

Garota, Interrompida, de Susanna Kaysen (Girl, Interrupted, 1993 Tradução de Márcia Serra, 2013). 190 páginas, ISBN 9788573128628 Editora Única. [Comprar no Submarino]

{B+}

16 comentários:

  1. Eu sempre tive medo da loucura, ainda tenho e talvez por isso já seja um pouco louca. Não vi o filme e não sabia que o livro era sobre isso... Sabe que me sinto tentada a coloca-lo em minha estante e em minha vida... Algo do que sempre posso me arrepender no final das contas!!! Adorei a resenha, de certa forma quando o livro te balança as resenhas ficam sempre melhores.

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    1. Loucura é um tema que assusta mesmo, sempre tenso. O livro é bem melhor do que achei que fosse, e isso, em grande parte, por não ser tão romanceado quando se pensa e tendo por base o filme. Vale a pena ler.

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  2. Gostaria muito de ler esse livro porque ver ao filme foi quase um divisor de águas para mim. Mesmo sabendo que o livro tem sua forma mais pura, ainda é difícil, para mim, me desligar das imagens do filme, afinal, as atuações de Winona Ryder e Angelina Jolie foram tão icônicas que é quase difícil lembrar que se trata de uma história real. Sem dúvida, um livro para se ter na estante.

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    1. Lu, é mesmo, eu li o livro muito tempo depois de ter visto o filme, mas em minha cabeça vinham as imagens das atrizes. Vale a pena lero livro, o relato da autora é franco, não tem como não se envolver.

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  3. Esse livro já tinha sido lançado em 1996 sob o título "Moça Interrompida".

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    1. Olha aí minha ignorância fazendo escola! Achei que era a primeira publicação do livro no Brasil, vou atualizar o post!

      Obrigado pelo toque!

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  4. Achei interessante que você escolheria cinza para capa que aliás é cor da versão publicada anteriormente. Gostei muito da sua resenha.
    Deu até vontade de reler =)

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    1. Pois é! Corri pra dar uma olhada, acho que combinou mais mesmo ;)

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  5. Achei interessante que você escolheria cinza para capa que aliás é cor da versão publicada anteriormente. Gostei muito da sua resenha.
    Deu até vontade de reler =)

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  6. Esse livro já tinha sido lançado em 1996 sob o título "Moça Interrompida".

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  7. Parece ser um livro pesado, realmente rosa não combina com a história. Vou tentar ler.

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  8. Não gosto desse tipo de livro, mas a resenha está ótima e o livro é um prato cheio para quem gosta desse tipo de livro

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  9. Vi o filme há muito, muito tempo atrás, mas lembro claramente da história de tanto que gostei. Já ouvi dizer que o livro e filme tem diversas divergências, mas com certeza ele está na minha lista de próximas leituras.

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  10. Hum, infelizmente não é o meu tipo de literatura ... mas, de qualquer maneira, ótima resenha!

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Oscar