5 de agosto de 2013

Rin Tin Tin – A Vida e a Lenda, de Susan Orlean [Resenha #138]

Rin Tin TinSinopse: Ele achava que o cão era imortal. Assim começa a vasta, poderosa e comovente narrativa de Susan Orlean sobre a jornada de Rin Tin Tin – de sobrevivente órfão a astro do cinema e ícone internacional do showbiz. Suzan, redatora da New Yorker chamada de “patrimônio nacional” pelo Washington Post, passou cerca de dez anos pesquisando e escrevendo sua mais cativante obra: a história de um cão que nasceu em 1918 e nunca morreu. A narrativa começa num campo de batalha francês da Primeira Guerra Mundial, quando Lee Duncan, um jovem soldado americano, descobre um sobrevivente: um pastor-alemão recém-nascido nas ruínas de um canil bombardeado. Para Duncan, que passou parte da infância num orfanato, a sobrevivência do cão fora um milagre. Havia algo em Rin Tin Tin que o compelia a compartilhá-lo com o mundo. Duncan o levou, então, para a Califórnia, onde suas aptidões físicas e a capacidade de representar chamaram a atenção da Warner Bros. Durante os dez anos seguintes, Rinty estrelou 23 sucessos do cinema mudo que salvaram o estúdio da falência e fizeram dele o cão mais famoso de todos os tempos. No auge da popularidade, Rin Tin Tin foi o campeão de bilheteria de Hollywood. Ao longo das décadas seguintes, Rinty e seus descendentes fizeram a conturbada jornada do cinema mudo ao falado, do preto e branco à cor, do rádio à televisão, culminando no seriado de TV As Aventuras de Rin-Tin-Tin, um dos mais populares programas da época do baby boom. O legado do cão herói foi consolidado por Duncan e alguns outros – como Bert Leonard, o produtor do seriado da TV, e Daphne Hereford, a proprietária do atual Rin Tin Tin –, que dedicaram a vida para assegurar a imortalidade da lenda. Na essência de Rin Tin Tin – a Vida e a Lenda há um tocante estudo do duradouro vínculo entre os humanos e os animais.

Rin Tin Tin se tornou, com o tempo, o tipo de marca que com a simples menção ao nome logo identificamos a que se referem: o famoso cão do cinema. Mesmo à distância de muitos anos de seu último sucesso estrondoso como em suas primeiras aparições, e sofrendo com a concorrência de novos ídolos animais, Rinty é uma marca que persiste, fazendo parte da memória coletiva que compartilhamos como sociedade.

Também devido à distância – algumas gerações já se passaram desde que Rinty estreou no cinema mudo – é difícil mensurar o que o nome representa, apesar de sabermos que ele está cheio de significado; e, acima de tudo, quantificar o que representava em seu auge, além de não sabermos muito da história da criação do ícone: nos filmes, Rinty é um personagem, o cão herói, leal, bravo, moralmente perfeito, mas quem estaria por trás dele?

Em parte, é a essa questão que a autora Susan Orlean quer responder com seu livro. Em suas páginas, a acompanhamos em uma busca que durou quase uma década, desvendando o mito e sua representatividade na cultura norte-americana, partindo da figura de seu dono, Lee Duncan, dos traumas de infância que o levaram a se apegar tanto ao cão que, por acaso, encontrara em meio a uma cidade francesa destruída durante a Primeira Guerra Mundial; até seu incansável trabalho em fazer do cão um legado, algo que nunca morresse, que constantemente pudesse ser visto pelos americanos como um símbolo, um ícone de amizade, lealdade e compaixão, algo que se conectava plenamente com o sentimento americano da época.

É importante que se saiba que o livro não foca tão somente no cão, Rin Tin Tin – até porque existiram vários deles, alguns seus descendentes diretos, outros não, mas o que importava, até certa medida, é que serviam para manter vivo o ideal de “fazer de Rinty um legado” que Lee tanto almejava – mas paira sobre a vida das pessoas que orbitaram ao redor de seu nome, seja em sua criação ou em seus trabalhos como cão ator.

De família humilde, Lee fora criado pela mãe com dificuldade, tendo de ser, inclusive, deixado por ela em um orfanato quando não tinha como mantê-lo, pois fora abandonada pelo marido, o que fez com que se cristalizasse em sua memória – e fosse representado quase que na totalidade dos filmes e na série de Rin Tin Tin na tv – o sentimento de abandono, a história do órfão que vê em um animal a esperança e o conforto frente as adversidades, e que, por vezes, encontra em uma figura gentil e honesta, plenamente idealizada, a imagem de pai necessária para constituir, verdadeiramente, uma família.

A redenção, a vitória do justo frente a todas as injustiças que lhes são impostas, a esperança,  advém deste sentimento, e da alegria que Lee sentira quando sua mãe, numa situação melhor, fora lhe buscar no orfanato para, novamente, morarem juntos. Tudo isso representados na figura da amizade incondicional de um cão, imagem perfeita em uma época que cães de estimação eram um luxo.

Rin Tin Tin nasceu num campo de batalha do Leste da França em setembro de 1918. Não se sabe o dia exato, já que nenhuma testemunha do nascimento a registrou, mas quando Lee achou os filhotes, em 15 de setembro, eles ainda mamavam sem ter aberto os olhos e não tinham pelo algum. deviam ter poucos dias de nascido.

– página 15

De volta da primeira Guerra Mundial, de posse de Rin Tin Tin, Lee tem na companhia do cão um complemento à sua vida, que sempre fora solitária, uma extensão que o faz realmente feliz, e que encontra estrondoso sucesso nas atuações de Rin Tin Tin nos filmes para o cinema mudo. A partir de então vemos os constantes altos e baixos pelos quais Lee e Rin Tin Tin passaram, do sucesso e riqueza ao retorno à um sítio modesto, sem luxos, mas que não fizeram esmorecer em Lee a certeza da grandeza de seu cão, de que era “único, o escolhido” projetando nas pessoas o mesmo sentimento que Rinty inspirava nele, e que os tornavam tão próximos ao ponto de eclipsarem mesmo sua relação com esposa e filha.

O livro tem um tom nostálgico que faz muito bem à narrativa. Mesmo imparcial – e até nos momentos em que questiona a validade de sua busca pela história de um cão – é possível perceber o fascínio que a autora tem por Rin Tin Tin, talvez não exatamente pelo cão em si, mas pela ideia que ele representa, ainda hoje, no consciente coletivo das pessoas, e são estes os trechos que fazem com que todo o livro seja válido, e, sua leitura, terna, recompensadora.

No entanto, me afeiçoei a Lee Duncan por sua candura, sua duradoura aflição de menino entregue pela própria mãe a um orfanato, sua capacidade de iluminar-se de alegria como quando o velho Rinty, seu troféu de uma vida inteira, saltou e pousou em seus braços em seu último cinejornal.

– página 228

Já li livros excelentes este ano, mas este foi o melhor deles até aqui. Fácil. Só uma autora muito competente poderia fazer de uma biografia sobre um cão algo tão admirável, que nos proporciona sentimentos que vão do amor e orgulho ao ressentimento, culminando em um aperto no peito ao virar a última página. E, mais uma vez, a Editora Valentina se superou no trabalho gráfico: o livro é lindo, muito bem diagramado, com imagens clássicas de Rin Tin Tin que agregam ao conteúdo do livro, e  fazem, de certa forma, com que nos sintamos mais próximos dele. Vale ler!

 

Rin Tin Tin - A Vida e a Lenda, de Susan Orlean (Rin Tin Tin: The LIfe and the Legend, 2011Tradução de Pedro Jorgensen Junior, 2013) – 308 páginas, ISBN 9788565859066, Editora Valentina.

{A+}

16 comentários:

  1. Eu estou com este livro na fila. AHHH, mas eu pirei com essa resenha apaixonada!!
    O livro acaba de passar na frente de outros e vou ler em breve, aliás muito breve!
    Amei a história, sua resenha, tudo!! Incrivelmente perfeito e aluciante!!

    Bjkassssss

    Lelê Tapias
    http://topensandoemler.blogspot.com.br/

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    1. Eu gostei muito ;) a autora tem um texto muito agradável de se acompanhar. Quando puder, leia!

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  2. Não conheço nada da história do Rin Tin Tin, mas como sou apaixonada por cachorro, acredito que este livro não seria nenhum sacrifício para mim. Fiquei surpresa com o A+ que você atribuiu ao livro, realmente não esperava uma avaliação tão boa, assim, concluo que o livro promete. Vou ficar de olho!

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    1. Eu me lembro de algumas coisas, o nome Rin Tin Tin ainda é bastante forte. E eu também me surpreendi ao final da leitura, o livro trás "sensações" muito bem vindas, por isso ganhou a nota alta.

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  3. Assisti muito Rin Tin Tin quando era criança. Deu uma saudade agora, vou comprar o livro.

    Tiago

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  4. Na minha opinião as suas resenhas emotivas são as melhores Luciano. Curtir ler você falando do livro e demonstrando sua afeição por ele.Curtir também conhecer sobre o Rin Tin Tin, sempre fui muito avessa a filmes com animais, porque desconfio que eles sofrem para fazer o filme acontecer, mas nesse caso isso foi diferente e achei super legal!!!

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    1. Ah, eu gostei muito do livro, não teve como não me entregar!

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  5. Não sou um grande fã de cães, mas conheci a história de Rin Tin Tin através de um álbum de figurinhas que meus irmãos mais velhos tinham e mais tarde lia as hq's do personagem e assisti à vários filmes e séries com um cão pastor alemão chamado Rin Tin Tin. Pretendo ler o livro, mas o preço é um pouco salgado.

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  6. O livro deve ser lindo, eu sempre me emociono com histórias de animais. Vou tentar ler.

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  7. Quem não se lembra de Rin Tin Tin, ele é uma lenda

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  8. Eu não me lembro do Rin tin tin #prontofalei, óbvio que sei que era "um" cão famoso, mas nunca vi nada dele. Todas as resenhas que tenho lido pela internet têm falado bem deste livro/autora, mas simplesmente não me animo a tê-lo por perto.

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  9. Cara ... clássico da infância de todos.

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  10. Não sabia que existia o livro do Rin tin tin, apesar do seriado ser antigo pra caramba, eu vi alguns episódios (só não me lembro onde). Gostava muito do seriado, agora quero ler esse livro *.*

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  11. Adorava o seriado do Rin tin tin, saudade do meu tempo de criança!

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  12. Sou um pouco ignorante no tema Rin Tin Tin, realmente só sei o básico do básico, mas me interessei pelo livro. É uma ótima maneira de aprender mais sobre o tema.

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  13. Adorava o Rintintin quando era novinha ;)


    Jessica Neves

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