24 de março de 2014

Quando Tudo Volta, de John Corey Whaley [Resenha #164]

Quando Tudo Volta - Texto


Sinopse: Uma morte por overdose. Um fanático estudioso da Bíblia. Um pássaro lendário. Pesadelos com zumbis. Coisas tão diferentes podem habitar a vida de uma única pessoa? Cullen Witter leva uma vida sem graça. Trabalha em uma lanchonete, tenta compreender as garotas e não é lá muito sociável. Seu irmão, Gabriel, de 15 anos, costuma ser o centro das atenções por onde passa. Mas Cullen não tem ciúmes dele. Na verdade, ele é o seu maior admirador. O desaparecimento (ou fuga?) de Gabriel fica em segundo plano diante da nova mania da cidade: o pica-pau Lázaro, que todos pensavam estar extinto e que resolveu, aparentemente, ressuscitar por aquelas bandas. Em meio a uma cidade eufórica por causa de um pássaro que talvez nem exista de verdade, Cullen sofre com a falta do irmão e deseja, mais que tudo, que os seus sonhos se tornem realidade. E bem rápido.


Comecei a ler “Quando Tudo Volta” da maneira como todos os  livros deveriam ser lidos: sem expectativas. Isso é um ponto positivo de não se ler sinopses e se viver numa bolha onde notícias sobre o que está fazendo sucesso e causando burburinho lá fora não entram. Eu não sabia o que esperar dele, e terminei com um dos livros mais inteligentes que jamais li.

Nele, conhecemos Cullen, um adolescente que tem os problemas comuns da adolescência e que de certa forma me lembrou o adolescente que eu era: tímido, ansioso pelas férias, sem enxergar nada de muito brilhante em sua vida, e com um irmão que admira. E tudo isso vivendo em uma cidade pequena.

Eu não fui um adolescente rebelde – não furei a orelha, não tingi os cabelos, não comecei a fumar e/ou beber, tinha pouca sorte no amor – fato que só me aproxima ainda mais de Cullen e de sua rotina: escola de segunda a sexta, uma longa jornada de trabalho no sábado, onde tem de lidar com todas as pessoas que ele não suporta ver na escola. Esse é o tipo de piada macabra que a vida faz.

Cullen tem um amigo, Lucas, e a amizade entre os dois é a coisa mais bonita que se verá no livro. Ao contrário do amigo retraído, Lucas é um superstar na escola, com um sorriso sempre presente no rosto e uma palavra agradável para todos ao seu redor, mas que, Cullen sabe, esconde um garoto que não é, nem de perto, assim tão feliz. É Lucas quem blinda, com a presença, Cullen e Gabriel, seu irmão, de maiores abusos na escola, pois é o ensino médio, então há as figuras de sempre, como os valentões, os nerds, e a original viúva negra, a menina mais bonita da cidade, mas cujos namorados sempre morrem tragicamente.

Confesso que achei que a amizade entre Cullen e Lucas beira o bromance – fato que também não passa despercebido para a namorada de Lucas, Mena, que, acreditem, não se coloca entre os dois, e vê toda a situação com bons olhos, inclusive sendo mais íntima de Cullen do que ele gostaria – mas eu devo estar sendo maldoso:

Lucas Cader havia namorado todas as meninas de nossa turma e quase todas da escola quando estávamos no segundo ano do ensino médio. Ele ainda passava a maior parte do tempo comigo e dormia no chão do meu quarto umas quatro noites por semana. Eu amava Lucas Cader, no sentido não sexual, e tudo isso era muito conveniente para mim. E Lucas Cader estava com o coração tão partido quanto eu no que dizia respeito a Gabriel, senão mais.

– página 118

Pra fechar o cenário, temos Gabriel, irmão de Cullen. Eu gostei daquele garoto. Cullen gosta daquele garoto e a relação deles me lembrou a relação que hoje tenho com meus irmãos. Gabriel é o caçula, e tem o dom de não se importar com o que os outros vão dizer ou pensar ao seu respeito, além de tecer as melhores teorias que se podem criar, o que faz com que o escutem com atenção.

Quando o irmão meio tímido, e às vezes divertido e dramático, de uma pessoa o abraça com força, ele começa a pensar em escrever um livro ou a fazer um filme no qual os mocinhos e os vilões não atirem uns nos outros nem briguem com espadas, mas só se abracem muito. O irmão da pessoa começa a chorar muito baixinho, e ele realmente parece não ter ideia do que fazer ou dizer, ou de como sair da situação. Ele pensa em chorar também, mas sabe que não conseguiria ser convincente. Por fim ele abraça o irmão e dá vários tapinhas em suas costas, como se estivesse abraçando uma senhora na igreja. Seu irmão finalmente o solta.

– página 38

A rotina na cidade – e a narrativa do livro – começa a ser alterada quando um sujeito diz que viu um pássaro na região que, diziam, estava extinto há algumas décadas.  De uma hora para outra isso é o assunto da cidade, que ganha algum destaque na mídia. Cullen, Lucas e Gabriel veem isso com olhos desconfiados, e, claro, Gabriel tem sua teoria sobre o assunto.

Até que Gabriel some.

A partir de sua ausência, as relações são ainda melhor trabalhadas pelo autor. Através de um texto rico em primeira pessoa, sob o ponto de vista de Cullen, acompanhamos como ele reage à situação, e é fantástico acompanhar a maneira como ele lê o que se passa ao seu redor, e como teoriza tudo, tentando se adaptar. Acho que aqui existe uma mudança importante nele como pessoa: se antes ficava imaginando o que aconteceria se em sua cidade ocorresse um apocalipse zumbi, com o sumiço do irmão ele tem coisas mais importantes em que se pensar e ocupar seu tempo, como no quão injusto é a mídia local dar mais atenção ao suposto aparecimento de um idiota pássaro extinto que ao sumiço de um garoto.

É claro que todo esse tempo Lucas está ao seu lado, assim como Mena e, para sua surpresa, recebe no trabalho a visita de Ada, a tal garota mais bonita da cidade.

Existe humor no texto mas eu me senti um tanto melancólico quando o li. Existe, paralelamente à história de Cullen, uma narrativa sobre Benton Sage, um garoto missionário que faz de tudo para deixar seu pai orgulhoso que me quebrou. Demorei perceber onde ela se conectava com o restante do livro, mas quando o fiz, vamos acompanhando o desenrolar desta narrativa paralela com uma apreensão enorme, adivinhando onde ela vai parar e torcendo para estarmos errados.

Fechando as cortinas, e quando penso no primeiro sentimento que me bateu ao terminar a leitura, me vem uma sensação enorme de gratidão. E isso não é forçado, é algo natural. O autor me deixou em suspenso por um bom tempo nas partes finais do livro, e eu temia o pior; e essa tensão só é dissipada nas últimas linhas.

É melhor que John Green.

 

Quando Tudo Volta, de John Corey Whaley (Where Things Come Back , 2014 Tradução de Carolina Caires Coelho, 2014) – 224 páginas, ISBN 9788581633848, Editora Novo Conceito.

{A+}

17 comentários:

  1. Morri agora heim!! MELHOR QUE JOHN GREEN???????? Gente!!
    É minha próxima leitura!! Ainda bem né, rs.
    Resenha como sempre pra lá de perfeita, apaixonante, empolgante, viciante, e todos os antes que possa existir.
    Amei!!!

    Bjkassss

    Lelê Tapias
    http://topensandoemler.blogspot.com.br/

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    1. Lelê, o livro é muito bom!, e considerando que eu tenho minhas reservas quanto ao Green, esse o supera com certa facilidade -ou seria maturidade? Vale a pena ler ;)

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  2. Oi Luciano!
    Sua resenha é a primeira que leio desse livro! Tenho vontade de ler desde que li a sinopse, pois já achei-a bem original. Depois da sua resenha, então, preciso dar prioridade para ele!

    Beijos,
    Sora - Meu Jardim de Livros

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    1. Sora, leia!, o livro é muito bom. Vão compará-lo ao Green, inevitavelmente, mas ele é melhor.

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  3. Eu cheguei a pegar esse livro na Livraria Cultura, mas acabei achando uma edição de lux do Gaiman e bom...

    Mas esse livro é um dos próximos da minha lista com certeza! Eu já li e ouvi algumas coisas sobre ele com leitores gringos e agora tive certeza, além de ser um livro curtinho, então o ritmo deve ser agradável. O único problema é que agora minhas expectativas estão na Lua, mas acho que o livro dá conta do recado.

    Abraços!

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    1. Lu, o livro é fininho, então a leitura é rápida, mas não me deixou com a sensação de "ah, faltou alguma coisa ali", pelo contrário, fiquei bastante grato quando terminei de lê-lo. Vale muito à pena ;)

      PS: quem lembrou da propaganda do Lux Luxo levanta a mão!

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  4. Estou tentando achar as palavras para comentar... crônicas literárias nem sempre são fáceis de comentar sabe... Muitos livros, independentes de serem lançamentos ou não, tem sido colocados no meu mapa emocional por sua pessoa Luciano... Acho que "Quando tudo volta" e o John Corey é um deles... Eu nem cogitava tocar nele e então você faz com que eu sinta necessidade de tê-lo em mãos... apesar de saber que haverá qualquer coisa de aflitiva em meio aos núcleos de luz do livro...

    E sim, eu ri com o desfecho da resenha... #Tuchê

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    1. Ah, tem uns momentos aflitivos sim, mas o final é o melhor, para o bem ou para o mal #misterioso!

      Mas fiquei todo bobo agora, rsrs, eu tive dificuldades em escrever esta resenha, do tipo "é difícil falar sobre um livro do qual se gosta muito", mas acho que consegui passar alguma coisa.

      Se tiver oportunidade, leia ;)

      O final foi provocador, tô meio revolucionário!

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    2. Você deveria ter dito: "Tem vários momentos aflitivos sim..." Estou sofrendo com esse livro.... mas não me arrependo de ter abraçado a oportunidade de lê-lo... #SóParaCompartilhar

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  5. Oie,

    Parece que iremos ter mais uma leitura em comum, esse é o meu 3º da lista....o que significa que mais alguns dias irei lê-lo....nossa tu vai deixar a galera doida com essa última frase...shauhsua....bem que não li ainda John Green...então não faz diferença..shausha....mas com certeza teu A+, me deixou bem louca para realizar a leitura.

    P.S: Passei da metade de Fênix A Ilha ontem, porque tive de iniciar a leitura ontem e não domingo e posso dizer que o livro é tenso...muito tenso, só não terminei porque meus olhos não consigam mais ficar abertos...mas hoje eu mato ele....foi difícil largar até o Stark aparecer a abrandar a tensão que eu estava sentindo. Fiquei pensando na outra resenha que li no skoob onde o cara não gostou tanto..quando isso acontece sei que é porque cada leitor sente de uma maneira, mas pra mim parece que ele não leu a mesma coisa que eu, pra julgar assim..shauhsua....bem queria vir comentar com você. E conferir a sua resenha é claro...\o/...beijokas elis!!

    http://amagiareal.blogspot.com.br/

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    1. Elis, se você gostou de algum livro do John Green, deve gostar ainda mais deste ;)

      Sobre o "Fênix", eu gostei muito, só não levou um { A } por eu ter gostado menos da segunda metade do livro, mas é muito bom! E, sim, não há como agradar todo mundo, cada leitor tem uma experiência pessoal com o livro que lê.

      Boas leituras ;)

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  6. Eu já estava ansioso para esse livro, mas com sua resenha, fiquei mais empolgado ainda, e como a Lu disse, minhas expectativas foram para a Lua agora, haha! Esse parece ser um livro que vou curtir, porque eu gosto de John Green, e esse tipo de leitura melancólica, real, forte, compreensiva e tal.
    E a última frase da resenha foi uma bomba, néh, kkk! Vou ler pra ver se concordo. Ótima dica, ótima mesmo :D

    Abraços
    - pensamentosdojoshua.blogspot.com

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    1. Ele é bem na vibe "Green", mas eu gostei mais do que gostei do único do Green que eu li - foi o "A Culpa é das Estrelas". Acho que você deve gostar, ele é bem escrito, não enrola muito, e bastante terno ;)

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  7. Me apaixonei por este livro assim que li a 1º sinopse, há um tempo atrás.
    Com sua resenha então, com certeza pulará muitos degraus na minha lista de próximas leituras!

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  8. Que bom que a história seja tudo isso. Emoção assim é demais. Não é sempre que encontramos histórias que nos abalam e emocionam. Quando terminamos de ler temos a sensação de plenitude e satisfação, por ter encontrado algo que nos agrada ,e muito. Esse sim vou amar ler. Principalmente depois desta resenha. Beijos.

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  9. Não sou muito fã do John Green. Esse livro não sei se vou querer ler, você me deixou em dúvida, por quê vi muita gente que gostou e outros que não gostaram.

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Oscar