17 de novembro de 2014

Vermelho Como O Sangue – Trilogia Branca de Neve Livro 1, de Salla Simukka [Resenha #196]

Vermelho Como o Sangue


Sinopse: No congelante inverno do Ártico, Lumikki Andersson encontra uma incrível quantidade de notas manchadas de vermelho, ainda úmidas, penduradas para secar no laboratório de fotografia da escola. Cédulas respingadas de sangue.

Aos 17 anos, Lumikki vive sozinha, longe de seus pais e do passado que deixou para trás. Em uma conceituada escola de arte, ela se concentra nos estudos, alheia aos flashes, à fofoca e às festinhas dominadas pelos garotos e garotas perfeitos.

Depois que se envolve sem querer no caso das cédulas sujas de sangue, Lumikki é arrastada por um turbilhão de eventos. Eventos que se mostram cada vez mais ameaçadores quando as provas apontam para policiais corruptos e para um traficante perigoso, conhecido pela brutalidade com que conduz os seus negócios.

Lumikki perde o controle sobre o mundo em que vive e descobre que esteve cega diante das forças que a puxavam para o fundo. Ela descobre também que o tempo está se esgotando. Quando o sangue mancha a neve, talvez seja tarde demais para salvar seus amigos. Ou a si mesma.


Taí uma bela surpresa! Em quase todas minhas experiências de leitura que envolviam ambiente escolar e adolescentes, elas mostravam jovens mais preocupados com aparência, status e perder a virgindade que qualquer outra coisa. Claro que existem exceções, mas em nenhuma delas encontrei algo tão bem escrito e tão fascinante quanto o que vi em “Vermelho Como O Sangue”.

O livro é o primeiro volume da chamada “Trilogia Branca de Neve”, que trás como protagonista Lumikki, uma jovem que mora sozinha na pequena cidade finlandesa de Tampere (qualquer link com certo programa de culinária e um chef gordinho e eu te amo pra sempre), e que é envolta em segredos. Desde o início fica claro que ela foge de algo – mesmo que uma lembrança – e seu jeito furtivo, tudo o que faz para passar despercebida, para não chamar atenção e não se meter em um assunto que não lhe diz respeito nos deixa em alerta: alguma coisa aconteceu, e Lumikki utiliza de sua solidão para lidar com ela.

Lumikki, por sinal, quer dizer Branca de Neve em finlandês. Temos nossa protagonista.

No livro, Lumikki, que preza por ter um espaço só seu que a deixe em separado dos outros adolescentes e seus cheiros doces e toda a animação e euforia no ar, procura refúgio no laboratório de fotografia da escola, mas lá dá de cara com muitas notas de Euro sendo lavadas, e outras ainda sujas de sangue. Ela decide sair rápido dali, mas, impelida pela curiosidade, retorna pouco depois, mas tudo sumira.

A primeira coisa a se falar é que, para alguém que preza passar despercebida e não se envolver, ela é curiosa demais! Mesmo que as notas tenham desaparecido, ela, perspicaz observadora do comportamento das pessoas, percebe quem está agindo diferente, e decide averiguar. Só que, com isso, se envolve em toda a história de forma definitiva.

Acho que o que mais gostei foi de ter uma experiência extremamente recompensadora com um livro narrado em terceira pessoa! Em meio a uma enxurrada de protagonistas frágeis que nos confidenciam seus anseios, medos e desejos em primeira pessoa, Lumikki e seu narrador vêm pra mudar isso.

Mas também não é correto defini-la sobre um estereótipo de força ou fraqueza. Ela é, acima de tudo, misteriosa, guarda coisas para si que mesmo o narrador só toma ciência quando ela está disposta a lidar com aquilo. Ela sabe como se misturar à multidão e passar despercebida, e o que fazer em momentos de tensão, mas isso não quer dizer que seja forte, ao mesmo tempo que, de forma alguma, também signifique que seja fraca.

No fundo, acho que Lumikki está lutando para construir seu espaço, onde ela enfim se sinta confortável e possa abandonar a postura tensa, mas tudo ao seu redor, seu passado, sua família, é envolto em cacos que tornam difícil uma reconstrução; e que, aqui agradeço a construção do enredo por parte da autora, faz com que fiquemos interessados em um grau altíssimo pelo que aconteceu e o que ainda vai acontecer.

Mas tenho ressalvas. A primeira é com a edição, há certo deslize na revisão, palavras grafadas errado, e, em dado momento o nome dos personagens são trocados, o que é percebido facilmente, e algo que poderia ter sido sanado sob o crivo de uma revisão mais criteriosa. E em outro ponto se perde bastante na tradução.

Há uma figura no livro que é chamada de “Urso Polar”. No original deve ser chamado de “Polar Bear”, é um personagem que todos já ouviram falar mas nunca viram ou tiveram contato com ele. Em português, por regra e costume usa-se o masculino em detrimento do feminino, então, enquanto no original o narrador se refere ao tal “Polar Bear” sem deixar claro se é homem ou mulher, em português, há a sugestão que se trata de um homem, pois sempre se refere a ele como O “Urso Polar”. É um pequeno detalhe, mas acredito que a tradutora poderia ter pensado em um recurso para minimizar isso.

Minha segunda ressalva é uma limitação minha mesmo. É difícil memorizar nomes com os quais não estamos acostumados. Nossa sociedade é tão americanizada que não estranhamos Peters ou Wendys saltando do miolo de um livro, mas a coisa fica complicada com nomes com grafias diferentes, como japoneses, árabes, russos e finlandeses. Levo um segundo a mais para me lembrar quem é Tuukka do que quem é Elisa, por exemplo.

O livro é curto, o que pode suscitar desconfiança das razões que o levam a ser parte de uma trilogia. Neste caso concordo com essa divisão. A narrativa fluída e bem conectada, mesclando ações no presente, lembranças no passado, e acontecimentos acompanhando diversos personagens como pontos focais não nos faz perder o fio em nenhum momento. Mérito total da Salla Simukka. Tudo corre tão dentro dos trilhos que é agradável – e minha ansiedade agradece! – que termine antes das trezentas páginas. E, o melhor de tudo, é que há margem e interesse em se continuar acompanhando Lumikki.

Gostei muito. Bem escrito, personagens agradáveis – e desagradáveis – que não se limitam a esse estereótipo, e uma personagem principal que está longe da perfeição. A ambientação em um país gelado, a presença constante do frio, algo tão diferente do que vivenciamos por aqui é algo que chama atenção da mesma maneira como os russos se apaixonaram pela Bahia de Jorge Amado.

Recomendo fortemente e anseio pela continuação.

 

Vermelho Como O Sangue, de Salla Simukka (As Red As Blood, 2014Tradução de Barbara Menezes, 2014) – 240 páginas, ISBN 9788581635798, Editora Novo Conceito.

{A-}

8 comentários:

  1. Adorei!!!
    Vou demorar um pouquinho só pra ler, por causa dos posts de novembro, mas assim que acabar vou direto pra este!!

    Gostei do que você disse sobre a protagonista, já sei que vou me empolgar bastante com ela.

    E quanto a revisão e tradução, quase sempre é assim né com a NC. Uma pena mesmo. Em outros livros já encontrei até palavras que não existem.

    Enfim, valeu a dica. Será o primeiro mesmo!!

    Bjksssssssss

    Lelê

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    1. Lelê,mas o livro vale muito a pena! Para quem gosta de suspense e mistério é um prato cheio!

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  2. Sua resenha foi animadora. Esse foi o lançamento do mês que mais me interessou e sua opinião reforça minhas expectativas.

    E ainda bem que é em terceira pessoa. Acho que eu me aproximo mais da personagem dessa forma, por incrível que pareça.

    Bjs ;)

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    1. Ana, vale muito a pena! Fiquei animado quando percebi que era terceira pessoa, já andava saturado de narrativas em primeira, de uma aliviada!

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  3. Hm... realmente não esperava uma opinião tao positiva sobre o livro. O que mais me atraiu, na verdade, é ter essa mudança de cenário, imagino que a Finlândia renda uma boa cenografia! É uma pena que a edição peque um pouco, espero que a editora fique mais atenta, porque, olha, não tá FÁSSIO comprar livros, e quando a gente compra, vem com o erro? Não, né? Hahahaha mas enfim.

    Abraços!!!

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  4. Ei Luciano, eu esperava que esse livro fosse bom, mas não tanto assim. Eu tenho a mesma dificuldade que você em memorizar nomes não tão comuns.... Em literatura épica mesmo eu sofro para lembrar o nome de todo mundo até o fim do livro, mas nem sempre dar certo. É uma pena que a edição tenha esses equívocos, mas de qualquer forma quero ler a obra sim.

    Lucas - Carpe Liber
    http://livrosecontos.blogspot.com.br/

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  5. Eu não tenho nada contra literatura americana, mas qualquer coisa que fuja dessa area do globo me chama atenção. "Vermelho como o sangue" do jeito que vc apresentou passou de um lançamento para o qual eu não ia nem ligar para o posto de um lançamento que "Preciso Ter".

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