13 de agosto de 2012

Serena [Resenha #063]

Serena

 

 

 

 

Sinopse: Serena adora ler, apesar de alguns desdenharem de seus gostos simples. Após a faculdade, ela consegue ser contratada pelo MI5, serviço secreto britânico, e ganha uma missão: estabelecer contato com um jovem escritor chamado Tom Haley e convencê-lo a aceitar uma bolsa para escrever um romance. A fonte do dinheiro não pode ser revelada. Ao mesmo tempo que Serena esconde sua verdadeira identidade de Tom, desconfia que o MI5 também está escondendo algo dela. Nesse romance do mesmo autor de Reparação, o leitor vai descobrir que um romancista também pode ser um ótimo espião.

Meu primeiro Ian McEwan me pegou de surpresa. Já conhecia o autor de nome, mas ainda não havia lido nada dele, então estava um pouco apreensivo sobre o que iria encontrar. De certa forma já esperava que não seria um livro simples, com uma narrativa comum e personagens clichés, talvez por isso não tenha estranhado tanto o que encontrei em suas páginas. Em linhas gerais o andamento me lembrou um pouco O Fio da Navalha, do W. Somerset Maugham, mas apenas no que diz respeito a ser um livro mais “aberto”, sem um objetivo direto que deve ser alcançado. Não temos aqui um monstro a ser vencido, um anel que precisa ser destruído ou um assassino para pegar. Apenas acompanhamos Serena Frome (pronuncia-se Frum, ela faz questão de esclarecer) nos contando suas memórias, sua experiências literárias e também no ramo do amor, e em como tudo, em especial as duas últimas, estão inevitavelmente ligadas.

Por isso não indicaria este livro ao leitor iniciante, e talvez mesmo ao médio – e nisso considero não a idade, mas sim o tempo que tem como leitor. Não é um livro difícil de se entender, a prosa é tranquila, agradável, e as lembranças de Serena são trazidas à tona naturalmente, uma puxando a outra, como se presas por um fio invisível que une todos os acontecimentos da vida de uma pessoa. Destino, diriam. Mas a falta de um objetivo final glorioso pode causar estranhamento nos leitores mais jovens, afoitos por revelações e desfechos que se insinuam homéricos desde as primeiras páginas. Mal sabem o que os reserva o capítulo final.

Serena é fascinante. Em um livro onde vemos o mundo real e não um reino imaginário, as personagens têm de ser muito bem construídas ou não convencem ao leitor de sua própria viabilidade. Serena é como uma pessoa qualquer, é como eu, por exemplo, e talvez mesmo como você. Adora ler mas por pressões maternas – que por sinal a surpreendeu, justo sua mãe fazendo um discurso de não desperdiçar a vida feito ela, que era casada com um bispo e sempre aparentava total controle e satisfação de sua vida – acabou optando por fazer matemática. Ela se dava bem com a matéria, mas seria boa o bastante para a faculdade? Não era, e acaba se formando sem honras e distinção.

É uma personagem real ao ponto de vivenciar passagens semelhantes as que acontecem aos seres deste lado dos livros: como tantas pessoas, tem de abandonar os sonhos por uma opção mais prática. Deixa os livros por uma faculdade de matemática, depois, um pouco mais velha, acaba aceitando um emprego que não lhe agrada para poder pagar suas contas. É o tão comum fim dos sonhos e entrada em um mundo real. Saem as princesas e os dragões e entram as obrigações, cobranças, aluguel no fim do mês e etc. Mas, ao menos, seu trabalho é pretensamente interessante: entra para o MI5, o serviço secreto britânico.

Por isso admiro sua habilidade para amar – ou seria necessidade – que é tão comum a todos humanos. Não sendo uma heroína, por mais que seu trabalho no MI5 possa fazer parecer, Serena fica próxima do leitor comum, pois tem os mesmos anseios e medos que ele. Um deles é o amor. Ela sente necessidade de ser amada, ao mesmo tempo em que é capaz de provocar só por ter sido contrariada e que sente vontade de chorar, fragilizada quando algo sai de seu controle e dá errado. Ela é humana e por isso nos conquista tão facilmente.

O modo como seus casos amorosos parecem persegui-la e serem eternamente mal resolvidos tem um peso importante no livro. O homem que a indica ao MI5 a abandona na beira de uma estrada. Um colega de trabalho pode ser uma boa alternativa para fazê-la esquecer o primeiro. Mas e se ele escolhe outra?

Serena vive em um momento de muita mudança cultural e social. Anos 70, a Europa continua falida no pós-guerra, as lutas dos conselhos de classe começam a incomodar definitivamente o governo, os terroristas irlandeses espalham pânico pelo reino; a sociedade se depara com hippies, drogas, o rock e uma maior liberalidade quanto ao sexo; e a descrença e o descontentamento com a classe política é tamanho que em certa passagem ela afirma, após serem convocadas eleições, que “o país votou, novamente, no cara errado”. Pior, ela votou no errado. Neste ponto talvez o livro converse mais com os ingleses ou com quem conheça melhor as atribulações do período. Entender o contexto histórico pode jogar nova luz a livros como este, dando uma oportunidade de o leitor conhecer o que se passa mais profundamente.

A narrativa ganha volume quando ela é designada para a Tentação, uma operação que consiste em financiar escritores que tenham um estilo e ideias alinhadas ao pensamento do governo no poder. A antiga tática de se manipular a população por meio da cultura – no livro o autor sugere que Orwell foi bancado por um programa semelhante. Será? – Talvez esta seja a maior discussão suscitada pelo livro: a interferência dos governos no modo de pensar da população através do consumo de cultura. Alguém duvida que isso aconteça ainda hoje?

Na Tentação ela conhece Tom Hailey, um escritor promissor, e acaba se apaixonando. O peso do segredo que ela é obrigada a carregar a consome, ao mesmo tempo em que ela sabe que se contar à Tom aquilo destruirá seu relacionamento, e que, quanto mais demorar, mais irreversível fica a situação. Serena tem o dom de não saber o que fazer com o amor. Ela sabe que o possui, mas não sabe o que fazer, a não ser trabalhar com o que se tem nas mãos, e da forma como as oportunidades permitem.

No final, que é muito bom e, o melhor, faz todo o sentido – e o autor insinua aqui e ali algumas mudanças de atitudes que permitem vislumbrar minimamente o desfecho – nos pegamos olhando sobre Serena. Mais uma vez, isso só acontece por ela ser como nós: acorda, trabalha, come e ama. Ao menos, mesmo sem saber o que fazer dele, ela tem o privilégio de amar.

Vocês deviam ler Ian McEwan. 

 

Serena, de Ian McEwan (Sweet Tooth, 2012Tradução de Caetano Waldrigues Galindo, 2012). 384 páginas, ISBN 9788535921212 Editora Companhia das Letras. [Comprar no Submarino]

{B+}

22 comentários:

  1. Ao ler a sinopse desse livro, a primeiro momento, a impressão é de uma história meio sem pé nem cabeça. Ou será que só eu achou estranho "somos do serviço secreto e queremos que um autor escreva um livro"? Mas sua resenha destacou pontos muitos importantes, e fiquei com vontade de ler esta obra!

    Abraços

    Lu Tazinazzo
    http://aceitaumleite.blogspot.com.br/

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    1. Lu, eu também não esperava que o livro tomasse esse rumo, mas ele serve muito bem de fundo para que o autor questione a época em que Serena viveu, e ele faz isso contundentemente. Quanto a "presença" de governos e serviços secretos no financiamento da cultura objetivando influenciar a opinião pública, eu não duvido de nada....

      Abraços.

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  2. Sempre tive vontade de ler Serena, acho que a capa me chamou mais atenção do que a própria sinopse.
    E sua resenha me deixou mais localizada (seria isso?) em relação ao conteúdo do livro. Antes eu achava que seria algo totalmente diferente. Foi bom ler sua resenha.
    Beijos,
    http://laviestallieurs.blogspot.com.br/

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    1. Rafaella, gostei bastante do livro, quem já tem uma base de leitura sólida vai se dar muito bem com a narrativa de McEwan.

      Beijos ;)

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  3. Me identifiquei com esse: "Serena tem o dom de não saber o que fazer com o amor." rsrsr Adoro livros assim, reais, sensíveis e se tiver um tom psicológico no meio ai eu vou para a garela :) A principio lendo a sinopse eu não pegaria no livro, mas depois dessa resenha vejo que ele constrói um caminho que vale a pena segui, foi com textos assim que aprendi a amar a história sabia?!?!

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    1. Pandora,

      ele é um livro que se dá muito bem com leitores mais experientes, que não estão mais tão afoitos e conseguem acompanhar um texto mais calmo, eu diria procedimental, mas nem sei se é a palavra certa. Acho que você se daria muito bem com ele, com certeza ;)

      Também li, durante minha formação como leitor, livros mais sérios que minha idade, e isso me ajudou, sem, no entanto, me fazer desgostar de livros mais despretensiosos.

      Beijos.

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    2. Variar entre livros densos e livros leves é bom, minha coleção de Sabrinas que o digam!!! :)

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  4. O livro é totalmente diferente do que esperava. Gostei bastante da temática do livro. Ótima resenha! Parabéns!

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  5. Eu sei, eu devia, e faz tempo.

    Esse deu a mordidinha! Vai pra lista!

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  6. Oi Luciano!
    Eu nunca li nada desse autor, mas de vez em quando vejo o nome dele por aí.
    Fiquei curiosa para saber como a Serena foi parar no serviço secreto britânico... Só lendo para saber!

    Beijos,
    Sora - Meu Jardim de Livros

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    1. Sora, é um ponto importante no livro e na formação da serena "adulta". Vale a pena ;)

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  7. Juro pra você que nunca tive vontade de ler esse livro antes, eu costumava vê-lo por ai, mas nunca tinha lido nem sinopse e nem resenha. Achei super legal o autor ter misturado o escritor com a espionagem, achei incrível.

    Tudo Tem Refrão

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    1. Ágata, e apesar da mistura o autor amarra muito bem os fatos, e o livro funciona muito bem.

      Acho que você gostaria de ler ;)

      Abraços.

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  8. Que resenha MARAVILHOSA, Luciano. Na verdade, o livro é minha leitura do momento. Eu também só conhecia o McEwan pelo nome (especialmente depois de Reparação que é um livro que eu quero MUITO ler), e Serena foi uma boa pedida. Fiquei animada com o lançamento mundial no Brasil e tal, com todo aquele "tumulto" que fizeram com a participação dele na FLIP. Ok. Acabei pegando o livro para ler só ontem, quando finalmente criei coragem, já que sabia que a narrativa e os enredos criados pelo autor não eram tão "fáceis" assim. Por enquanto eu estou gostando demais!
    Vamos ver se no final eu terei a mesma opinião que você. :)

    Um beijo,
    Luara - Estante Vertical

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    1. Luara, o livro tem uma levada diferente, que pode causar estranhamento no começo, mas a adaptação é rápida, o livro é muito bem construído e tudo funciona bem. Gostei bastante.

      Vou ficar esperando sua resenha ;) Beijo e boas leituras.

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  9. Amei essa resenha estou super afim de ler o livro.
    Parece ser bem o meu estilo de livro...

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  10. Luciano

    Eu vou ler Ian McEwan. Eu preciso ler Ian McEwan. Lendo sua resenha fiquei encantada e Serena é uma história que tenho certeza que vou gostar. Sou uma mulher que vivi minha juventude nos anos 70 claro e me identifiquei com muitas partes citadas em sua resenha.

    Beijos

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    1. Irene, tenho certeza de que gostará do livro, ele é brilhantemente escrito ;)

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  11. Báh tua resenha me deixou com mais vontade ainda de ler, pena que coloquei o livro na minha lista do amigo oculto do clube do livro que participo, senão ia aproveitar a promoção da cultura e comprar hoje mesmo hehehhehe
    estrelinhas coloridas...

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    1. Mi, o livro é ótimo, não conhecia nada de McEwan, me surpreendi com ele. Vale ler ;)

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Oscar