28 de outubro de 2013

Adeus à Inocência, de Drusilla Campbell [Resenha #149]

Adeus à Inocência

 

 

 

Sinopse: Madora tinha 17 anos quando Willis a “resgatou”. Distante da família e dos amigos, eles fugiram juntos e, por cinco anos, viveram sozinhos, em quase total isolamento, no meio do deserto da Califórnia. Até que ele sequestrou e aprisionou uma adolescente, não muito diferente do que Madora mesmo era, há alguns anos... Então, quando todas as crenças e esperanças de Madora pareciam sem sentido — e o pavor de estar vivendo ao lado de um maníaco começava a fazê-la acordar —, Django, um garoto solitário, que não tinha mais nada a perder depois da morte trágica de seus pais, entrou em sua vida para trazê-la de volta à realidade. Quem sabe, juntos, Django, Madora e seu cachorro Foo consigam vislumbrar alguma cor por trás do vasto deserto que ajudou a apagar suas vidas?

Ok. Senta aí que lá vem livro bom.

Puxando pela memória não consegui recordar nenhum momento marcante que passei lendo livros onde o ambiente fosse seco e árido, e que a narrativa do autor me passasse as impressões que, imaginamos, advém do clima: de garganta dolorida, falta de ar, e atrito de grãos de areia nos dentes. Tudo bem, muitos dos títulos do noir, que se passam em Los Angeles, trazem as altas temperaturas dos dias e a promessa de clima ameno com o fim da tarde, mas o espaço geográfico retratado é, predominantemente, a cidade, com foco nela e seus habitantes, e quase tudo fica melhor após uma caneca de cerveja.

O que acontece com “Adeus à Inocência” é um tanto diferente. É mais aquela do “estar sozinho estando junto”, a terrível “solidão do acompanhado” e ainda com desdobramentos imprevisíveis à espreita. Mas para concluir o que comecei no parágrafo anterior, a influência da paisagem no personagem só tinha sido tão clara e marcante para mim em duas outras oportunidades: em “Ganhando Meu Pão” (já fazia algum tempo que não o citava, não é mesmo!), do Górki; e em “No País das Sombras Longas”, do Hans Ruesch, que li na adolescência, adorei, mas que, caprichos do tempo, havia me esquecido dele até que a Sharon o mencionou certa vez. E, não por acaso, ambos os livros tem no clima gelado – o primeiro se passa na Rússia, o segundo, no Alasca – um ingrediente em comum e que quase sempre me fascina. Adeus à Inocência está no extremo oposto, aqui predomina o calor, mesmo com a frieza de alguns dos personagens. E, bom, gostei muito.

No livro, escrito pela autora Drusilla Campbell, conhecemos Madora, uma jovem que perdera o pai tragicamente e que não conseguira lidar com o fato: como muitas vezes acontece, culpara sua mãe pelo ocorrido, e, como uma espécie de fuga, começara a beber, se drogar e viver a vida sem muitas preocupações. Ela parecia sem esperança, cada vez mais envolvida com uma rotina que se apresentava de mão única, até que, aos dezessete anos, encontrara Willis – ou ele a encontrara?

No encontro, ele prometera – não tanto verbalmente, mas através de seu olhar caridoso, seu sorriso aconchegante – que cuidaria dela, que a ajudaria superar a todas dificuldades que ela estava enfrentando, e que sempre seria o porto seguro onde ela poderia atracar. Não é difícil perceber que era tudo que ela gostaria de ouvir, sofrendo como estava com a morte do pai, com a incapacidade da mãe de compreendê-la, a quem culpava por não apoiar seu marido no momento em que mais precisara; Willis lhe entregara de uma só vez, despejando em seu colo tudo o que ela precisava: alguém que cuidasse dela, e por quem, em troca de tanto amor e companheirismo, ela se dedicaria totalmente, sem nunca questioná-lo, tampouco o abandonaria como sua mãe fizera com seu pai.

Willis é um personagem pretensamente complexo. Manipulador, dissimulado, violento, carente ao extremo. Atrás de cada palavra amável, de cada sorriso, esconde-se um ressentimento, uma mágoa que ele cultiva por ainda não ter conseguido atingir seu grande sonho, que é tornar-se médico como seu pai fora. Mas ele ajudara Madora, a apoiara de forma que ela conseguira se livrar de seus vícios, e a respeitara, dizendo que tudo deveria ser especial, no momento certo.

Mas o que parece uma demonstração de carinho, se mostra, rapidamente, uma lista de preceitos que ele mesmo formulara, uma espécie de código de conduta baseado em suas experiências, no que acha correto, e faz questão de desvirtuar e distorcer qualquer ponto de vista que venha a bater de frente com o seu. Acima de tudo, ele sente necessidade em ajudar, ser útil, mas de uma forma doentia. Isto me lembrou um conto escrito por Thomas Mann, chamado Tobias Mindernickel, sobre um homem ridicularizado por todos que encontra “refúgio” na figura de um cão. Acredito que, no fundo, a fragilidade, a necessidade de fazer algo, de se sentirem completo, fazem com que os personagens tomem suas atitudes.

O grande problema é que, em se tratando de amores obsessivos, o agredido/intimidado nem sempre se sente assim – e se tem consciência disso passa a minimizar o fato, “em nome do amor”. No caso de Madora, além de amar Willis, ela se sente em dívida, ao mesmo tempo grata e consciente de que não é “boa o bastante” para ele – outro pensamento recorrente de pessoas nessa situação – por isso faz tudo para agradá-lo. Assim, mesmo percebendo que ele tem um comportamento explosivo, ela não se rebela, mas passa a observá-lo, a estudar suas expressões a fim de que possa se antecipar aos maus momentos, o que resulta em, basicamente, duas posturas de sua parte: pensar mil vezes no que vai fazer ou falar, calculando todas as respostas que ele pode dar e considerar cada uma, em busca de algo que poderá desagradá-lo; e, memorizar tudo o que já fez e que o deixou feliz, na esperança de conseguir repetir o efeito. Enfim, ela vive em um estado de constante tensão, e, durante boa parte do livro, nega para si mesma que isso seja ruim.

Até que surgem duas figuras importantes para o andamento da história: Django e Linda. Linda é questionadora, rebelde, e de suma importância para que, na base da força, Madora perceba sua situação. Vou mantê-la uma incógnita.

Django é um garoto de doze anos, filho de um rockstar, que vai morar com uma tia que nunca vira antes, após seus pais falecerem em um acidente de carro. Se antes morava numa mansão em Beverly Hills, agora tem de se adaptar à uma vida sem luxos na pequena casa da tia, contadora solteirona que não esperava ter de assumir uma responsabilidade dessas – mas que não é má pessoa, pelo contrário, ela apenas não tem ideia do que fazer. Ainda entorpecido pela perda, e com problemas de adaptação na nova escola, ele conhece Willis, que esquecera o cachorro de Madora dentro do carro fechado sob um calor enorme. Cachorro este que ele decide salvar daquele “louco de sorriso falso” , e, no processo, conhece Madora, percebendo que ela precisa de ajuda.

A autora tem uma escrita admirável, em terceira pessoa, daquele tipo onde não se faz questão de deixar tudo bonito, mas se percebe que, cada palavra, quando solta como um caco, se relaciona de forma perfeita com o ambiente e o sentimento dos personagens, e, em um livro onde situações, personagens e ambientes e relacionam a tal ponto de tornarem-se um só, isso tem uma importância enorme – é o famoso esquema do homem influindo em seu meio, ao mesmo temo que o meio influi no homem.

Mas, para mim, seu principal momento acontece na página 191, quando lemos “Eis aqui a verdade”. Eu fui longe quando li isso, e demorei um bom tempo pra retornar! O quão maravilhoso é um narrador em terceira pessoa se desprender do texto, da estrutura que vinha mantendo, e dizer isso! O quão pessoal e importante tem que ser para que nos chame a atenção? E ela o diz não por achar que nós, como leitores, somos estúpidos o suficiente para ainda não termos entendido tudo o que se passa no livro e em como isso vai acabar, mas, sim, por esta afirmação ser o resultado de tudo aquilo que, como narradora, ela – a voz, e aqui não sei qual a razão de a imaginar feminina, talvez por Madora? Talvez.... – presenciou e nos contara, o quanto tudo é desesperador. Daí  a autora ganha dois abraços e tem em mim um leitor pra toda vida.

Reservando ainda boas surpresas, o livro termina bem fechado, nos dá algo com o qual trabalhar, quase como se nos recompensasse pelo tempo que investimos em sua leitura. Sorte  nossa.

 

Adeus à Inocência, de Drusilla Campbell (Little Girl Gone, 2012 Tradução de Robson Falchetti Peixoto, 2013) – 272 páginas, ISBN 9788581632766, Editora Novo Conceito.

{A+}

33 comentários:

  1. titulo muito, um livro que tem juso ao seu titulo deve ser muito bom
    @livroazuis
    livro-azul.blogspot.com.br

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  2. Caraca!!! Preciso ler esse livro para ontem!!! O mais que poderia comentar é totalmente supérfluo!!!

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  3. Sinceramente, uma surpresa! Jamais me passaria pela cabeça que um livro como esse pudesse ter tanto potencial. Só uma coisa me intrigou: esse título. Tem um filme antigo do Sean Penn homônio, seria ele baseado no livro, ou algum dos dois (ou o livro, ou o filme) foi vítima de uma péssima tradução? Ou ainda, são realmente homônimos? Tá, uma dúvida frívola, mas fiquei curiosa hehehehe

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    1. Eu já esperava um livro diferente do padrão "história de amor", mas não imaginava que fosse ser tão denso quanto foi. Vale a pena ler. Acho - acho - que filme e livro não estão relacionados. Mas eu simpatizei com o título, acho ele bem representativo.

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  4. Olha só. Ainda bem que essa é minha próxima leitura!!
    Senão eu iria pirar aqui com essa resenha!! kakakaka
    Perfeita, linda, maravilhosa!! Acho que até mais do que deve ser o próprio livro.
    Pena eu não conseguir vir tanto aqui quanto gostaria. Amo suas resenhas!!

    Bjkas

    Lelê Tapias
    http://topensandoemler.blogspot.com.br/

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  5. Ola Luciano, tudo bem?
    Esse é um dos livros que estão na minha lista de próximas leituras. E sua resenha me deixou ainda mais curiosa. Ótima resenha.
    Abraços
    Amanda Almeida

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    1. Amanda, o livro vale muito a pena, tomara que goste da leitura.

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  6. Esse era um livro que não sabia o quê esperar da trama, mas depois de sua resenha, claro que fiquei curiosa!
    E ainda mais com a página 191, rsrs.

    Abç!

    http://meuhobbyliterario.blogspot.com.br/

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    1. Gladys, o livro é muito bem escrito, me surpreendeu bastante ;)

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  7. Oi, Luciano!
    Vou arriscar a escrever que essa foi uma das suas melhores resenhas; e por quê será?
    Claramente esse Willis é um psicopata e o interessante foi a autora colocar um menino de 12 anos como herói da mocinha. Isso para dar um ar conjunto de inocência, para que os interesses não sejam questionados.
    Lógico que vou ler!
    Beijus,

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    1. Ah! Muito obrigado Luma ;) Eu gostei bastante do livro, ele tem personagens marcantes e uma ambientação que me agradou muito. Vale muito a pena ler.

      Beijos.

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  8. Que história incrível e mesmo não tendo solicitado esse livro vou querer ler com certeza.Gosto desse tipo de leitura que nos prende onde os personagens tem seus problemas , carências e juntos se encontram, mas agora quero saber como vai terminar. "Aí você ganha dois abraços" por esta excelente resenha que não tem como não querer ler este livro.
    Bom estar por aqui.
    Beijos

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    1. Irene, eu não esperava muito do livro, arrisque e acabei me dando bem ;) O livo é muito rico de personagens. vale a pena ler.

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  9. Heeey Luciano, como vai?
    Eu não solicitei o livro e sinto que fiz besteira! Eu tô nessa onda de pedir menos livros, no máximo três por mês, e esse ficou de fora. Sua resenha me deu vontade de voltar no tempo, haha XD mas eu talvez compre.
    Eu gosto muito de dramas, mas achava que este livro ia ter mais uma pegada romântica. Sem contar que não curti muito essa capa, não.
    Gostei de saber que os personagens são complexos, acho que uma história pode ser um super clichê mas, se tiver bons personagens, ela se salva. Eu pretendo ler sim o livro, sua resenha me inspirou!

    Beijos :*
    www.nathlambert.blogspot.com

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    1. Ahhh, Nath, quando isso acontece a gente perde o chão, rsrs. O mesmo aconteceu comigo e o "Na Companhia das Estrelas", me arrependi muito de não ter solicitado. Mas se puder leia o livro, ele é muito bom.

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  10. Apesar de todos os elogios que você fez, não me imagino gostando deste livro. Talvez, não seja apenas o tipo de livro que estou procurando no momento, por isso vou levar em conta sua ponderação e deixar esse livro na minha lista e quem sabe lerei mais tarde.
    De toda sua resenha, o ponto que mais me chamou atenção é a parte sobre a escrita da autora, é ótimo quando encontramos livros com uma escrita tão arrebatadora.

    Lucas - Carpe Liber
    livrosecontos.blogspot.com

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    1. Lucas, se não está "no momento" então nem vale a pena começar a ler. O livro é exigente em alguns momentos, o melhor mesmo é esperar por ventos mais propícios.

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  11. Oie,
    Bem por acaso não peguei esse livro para ler....pois mesmo gostando da capa a sinopse não me agradou....e mesmo lendo a resenha que ficou maravilhosa, ainda não estou convencida se eu apreciaria a história. Mas olha teu A+ me deixou tentada a comprar ou realizar um resgate de pontos. Vou pesquisar mais e depois eu vejo. Fico tão feliz quando suas leituras são tão boas....\o/....beijokas elis - http://amagiareal.blogspot.com.br/

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  12. Primeira resenha que vejo falando bem desse livro, a maioria fala que as personagens são muito previsíveis, só uma outra são ganham a simpatia do leitor. Mesmo assim tenho vontade de ler esse livro *.*

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    1. Hahahaha! Então, mais uma vez, fui contra a maré! Eu gostei bastante, e recomendo a leitura.

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  13. Nossa que livro fantástico! Adorei o trabalho do autor já de cara, com certeza vou amar, mal posso esperar pra passar na livraria

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  14. Não imaginava que era tão bom!

    Jessica Neves

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  15. Esse é lançamento né? quero muito ler.

    Amanda Ribeiro

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  16. Oi adorei sua resenha!.. muito obrigado, me fez se interessar pelo livro....mas vc já leu o livro reverso escrito pelo autor Darlei... se trata de um livro arrebatador...ele coloca em cheque os maiores dogmas religiosos de todos os tempos.....e ainda inverte de forma brutal as teorias cientificas usando dilemas fantásticos; Além de revelar verdades sobre Jesus jamais mencionados na história.....acesse o link da livraria cultura e digite reverso...a capa do livro é linda ela traz o universo de fundo..abraços. www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?

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Oscar