4 de agosto de 2014

O Inverno de Frankie Machine, de Don Winslow [Resenha #181]

O Inverno de Frankie Machine - Texto


Sinopse: Frank Machianno é um assassino de aluguel. Um assassino de aluguel aposentado, na verdade. Quando estava na ativa, era conhecido como Frankie Machine, mas os dias de crime ficaram no passado e ele leva uma vida tranquila no litoral de San Diego, onde é conhecido por ser um empresário comprometido e um pai e ex-marido exemplar. Quando, porém, o filho do atual chefe da máfia lhe pede um favor, Frank se vê obrigado a atender, e as ameaças de sua antiga profissão voltam a atormentá-lo. Alguém do passado o quer morto e Frank precisa descobrir quem e por quê. O problema é que o rol de candidatos é tão extenso quanto a lista telefônica da Califórnia e o tempo de Frankie está acabando. Ao retratar com riqueza de detalhes a violência inata ao mundo da máfia, Don Winslow construiu um thriller magnífico, repleto de ação e de personagens carismáticos. Combinando bom humor, inteligência e dinamismo, O inverno de Frankie Machine transporta o leitor para os cenários quentes de San Diego e da cultura surfista, com o auxílio de um anti-herói cativante.


Meu segundo Winslow. O primeiro, Selvagens, me arrebatou, a narrativa do autor imprimiu em mim marcas de profundo respeito por sua prosa fluída e seu tom ácido. Assim, parti para a leitura do “O Inverno de Frankie Machine” com minhas expectativas hospedadas na Estação Espacial Internacional, e, que fogo caia dos céus, cada centímetro dela foi satisfeita. Winslow já tinha meu respeito, agora tem também meu devoção, e definitivamente é dos meus autores favoritos.

Em “O Inverno de Frankie Machine” conhecemos, vejam só, Frank Machianno, um sujeito aposentado, “do lado errado dos sessenta anos”, que faz questão de manter uma rotina pacata e quase militar, que vai de seus cafés da manhã com grãos torrados e moídos na hora, uma passada em sua loja de iscas, e, mais tarde, em seus outros negócios, para ver se tudo corre dentro dos conformes. Além disso ele visita sua namorada, Donna, almoça com sua filha, Jill, uma vez por semana e de vez em quando é importunado por sua ex-esposa com problemas domésticos como um triturador ou uma pia entupida. Frank tem uma vida pacata demais, mas isso é só aparência.

O que ficamos sabendo em seguida é que ele é uma lenda. Um atirador competente que nunca cometera um erro em sua vida no mais perfeito estilo “missão dada é missão cumprida”, e com um invejável senso de honra, mas que agora pendurara o .38 e curtia sua vida de aposentado cuidando de seus negócios, esforçando-se por ficar à margem dos interesses da máfia de San Diego. Frankie leva a sério uma palavra empenhada, um favor devido, e a família – por mais que seu casamento não tenha transcorrido às mil maravilhas, mas, ele lembra, sua mulher o colocara pra fora, não fora ele quem decidira partir. E são todas essas qualidades que o colocarão em uma situação de perigo atrás da outra, e que por muitas vezes salvarão sua pele.

Um encontro inesperado e totalmente fora do protocolo da máfia faz com que tudo mude. De repente ele se vê caçado, e só pode supor quais as razões. Mas ele não é um sujeito que decide se esconder, ao contrário, bater em algumas portas em busca de respostas faz muito mais seu estilo.

Seja honesto com você mesmo: se pudesse ter tudo o que deseja, você não ficaria com tudo? E, caso soubesse que conseguiria o que deseja, também não teria pressa. Ninguém tiraria aquilo de você, então, por que não esperar? Se você está habituado a ter tudo o que deseja, talvez a espera seja melhor do que a conquista.

O livro é narrado em terceira pessoa, no tempo presente e com alguns flashbacks. É incrível o sentido ascendente da narrativa. Winslow começa o livro apresentando Frank com ele pensando um singelo “Dá muito trabalho ser eu.”, e listando suas características, modos e costumes de forma casual, pontuando a  rotina de aposentado e pequeno comerciante que ele leva. Mas, com o decorrer da narrativa o ritmo e a tensão vão aumentando gradualmente, até que a poucas páginas do final do livro você está segurando a respiração, ansiando pelo desfecho enquanto mentalmente fica repetindo POR FAVOR POR FAVOR POR FAVOR como um mantra que pudesse fazer com que tudo termine bem.

E encontrei nesse livro algo que havia me agradado muito em Selvagens: o tom ácido do narrador e das personagens. Em Selvagens tínhamos uma trinca perfeita de personagens trabalhando na mesma frequência: eram rápidos, afiados e precisos, e não perdoavam ninguém de uma tirada sensacional. Apesar de ser o artista solo, Frankie mantém o mesmo tom crítico, com a única diferença que fala mais para si mesmo que para um outro personagem.

A vida é como uma laranja gorda, pensa Frank. Quando você é jovem, aperta a fruta com força e rapidez, tentando tirar todo o suco rapidamente. Quando envelhece, aperta devagar, saboreando cada gota. Porque: um, você não sabe quantas gotas ainda lhe restam, e, dois, as últimas gotas são as mais doces.

Assim como aplaudo novamente a habilidade do Winslow em situar o leitor no universo retratado no livro. Aqui saem os cartéis mexicanos e entram as famílias da máfia, que comandavam as mais variadas atividades econômicas, legais ou não, em diversas cidades americanas, como Nova York, Las Vegas, Los Angeles e San Diego, que é onde se passa a ação do livro. É de se pensar que seria complicado traçar mesmo um quadro geral do funcionamento dessas famílias e de todas as ramificações de subordinação e influência, mas ele faz dela algo bastante natural de se absorver, e é louvável esse esforço pois, enquanto não são necessariamente essenciais para a compreensão da trama, elas dão ao leitor um ponto de apoio na construção de sua experiência de leitura.

Eu fico tentado a rasgar seda, mas muita seda mesmo, para o autor. Ao mesmo tempo que seus livros são completos, e com Winslow aparentando ser dono de toda a narrativa, nada é engessado ou parece planejado. É tudo muito natural, com uma fluidez absurda. O único autor que me causa a mesma sensação é o também fora de série Palahniuk. Enfim, essa é talvez a melhor leitura do ano até aqui.

Se ainda não conhecem o autor, começar pelo “O Inverno de Frankie Machine” é uma boa pedida; mas tenham em mente que, ler algo dele é simplesmente obrigatório.

Não importa quem apaga a luz. Fica escuro do mesmo jeito.

 


+do autor: Selvagens

O Inverno de Frankie Machine, de Don Winslow (The Winter of Frankie Machine, 2006 Tradução de Alexandre Raposo, 2014) 224 páginas, ISBN 9788580575484,  Editora Intrínseca. [Comprar no Submarino]

{A+}

7 comentários:

  1. Eu adorei Selvagens (li por indicação sua, inclusive), mas tive um tico de dificuldade de amar os personagens de Winslow porque eu não me identifico com a realidade dos latino americanos nos EUA/cartéis/traficantes de droga (AINDA BEM NÉ?). Eu simplesmente não sei como o mundo deles funciona exatamente, então eu acompanhei a história, achei ótima, mas confesso que não me apeguei.

    Pela sua resenha percebo que eu me daria melhor com Frankie Machine porque é um personagem só e um pouco mais de contexto para dar sentido às coisas. Outro livro que vai entrar na wishlist, porque acredito no talento de Winslow e vou querer conferir esse lançamento.

    Abraços!!!

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    1. Lu, o Frankie é mais experiente, mais maduro, então seus comentários podem não ser tão sarcásticos quanto o de Ben, Chon e O., mas eles são um tanto quanto mais certeiros. Eu gostei mais deste que do Selvagens, e olha que havia adorado o Selvagens, rsrs.

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  2. Começando pelo fim, meu autor favorito diz uma coisa que dialoga bem com a ultima citação que você fez ao autor, ele disse: "Não importa quão rápido a luz viaje descobre que a escuridão sempre chega antes e está a sua espera." [Terry Pratchett].

    Agora, voltando ao conjunto da obra, adorei a resenha, gosto quando você é chato com os livros de narrativa frágil, mas quando um livro é A+ a resenha fica uma delícia, virá uma crônica literária e meu espirito de leitora se intoxica de gosto. Então parabéns Luciano.

    Você colocou o Winslow no meu mapa afetivo de leitores, sei que qualquer dia desses vou ouvir ele chamando meu nome e vou ter meu encontro algum dos livros dele e vou te contar os detalhes do encontro, porque eu sou uma tagarela convicta e nunca guardo as coisas que gosto só para mim... Porque sim, tenho a impressão que vou gostar desse autor.

    Cheros :p

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    1. Eu tenho que conhecer Pratchett! Urgente! E, sim, vale muito a pena ler Winslow, ele tem uma narrativa ímpar e uma capacidade de envolver o leitor que é inacreditável.

      E obrigado!! Obrigado e obrigado ;)

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  3. Que resenha linda!!
    Eu não tinha lido nenhuma ainda deste livro, que bom que a sua foi a primeira!!
    Com certeza vou comprar na Bienal!! Já tá na lista.
    Você consegue fazer todo mundo se apaixonar pelo autor!!

    bjks

    Lelê - http://topensandoemler.blogspot.com.br/

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    1. Lelê, eu tô bastante por fora, mas acho que ele é um lançamento - sem certeza alguma! E se tiver a oportunidade, leia, vale muito a pena!

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